Capítulo 8

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Quando Erínea acordou, era domingo. Dia de visitas na clínica. Freiras e noviças foram vê-la em rodízio. Celestina foi a última e demorou mais do que as outras.

    - Amanhã você terá alta. Virei buscá-la. Ah, a madre já avisou você? Vai deixar você passar uns dias com seus pais em casa. Assim que eles chegarem, vai comunicar-lhes isso.

    - Avisou sim, que ótimo!

    - Bem, tenho que ir andando. Ainda tenho que passar em revista minha matéria de amanhã: história.

    - Perdi quase uma semana de aula.

    - Bom, até amanha querida.

    - Até...

A freira saiu devagar. Ainda na porta, sorriu para Erínea e acenou-lhe.

Irene, a companheira de quarto, puxou conversa:

    - Daqui a pouco minha turma chega. Você vai ver, que gente animada...

    - Jovens da mocidade de minha igreja. Sou evangélica.

    - Ah, é?... E por que está aqui? Os crentes não são tão fortes?

    - Sim, mas também somos de carne e osso, como as demais pessoas. No meu caso, por exemplo, foi uma estafa. E Deus não é culpado se abusei do meu organismo. Trabalhei além das minhas limitações, entende? Imagine só, lecionava dois períodos diurnos e ainda estudava à noite na faculdade. Como moro numa república, sou obrigada a lavar e passar minha roupa. Fora as preocupações com o enxoval, porque quero me casar ainda este ano.

    - Interessante. Mas, falando em ser crente... O que você acha desta vida?

    - Foi a melhor e mais acertada decisão que tomei em toda a minha vida. Eu era vazia, sabe? Vivia num mundo de decepções, sem esperança e sem paz. Um dia, um grupo da ABU, quer dizer, Aliança Bíblica Universitária, reuniu-se na faculdade. Aproximei-me deles. A turma cantava feliz. Um deles tocava violão, hoje é o meu noivo. Achei tudo muito lindo, e assim, todas as vezes que se reuniam, eu participava. Um dia, me convidaram para frequentar uma igreja evangélica, a mais próxima de mim. Então fui. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com o violinista que me reconheceu. Era uma igreja Batista muito animada. Lá eu me converti. E agora, não quero abandonar o meu Cristo por nada deste mundo.

    - Você não achou difícil abandonar as tradições ou então renunciar certas coisas que são impraticáveis nas igrejas e na religião protestante?

    - A gente se acostuma e não sente falta de nada. Eu era uma moça mundana, vivia nas festas e nos bailes, mas hoje Cristo me satisfaz. Sabe por quê? Aquela alegria era passageira, só durava no momento. Quando chegava e me deparava com a solidão, ai vinha o tédio, o desespero, as lágrimas. Ao passo que agora sinto uma paz permanente, duradoura, mesmo que tenha que me tratar nesta clínica. Aprendia estar feliz com Cristo em qualquer lugar. Ele tem um  plano para cada passo. Se estou aqui, ele tem algo para me ensinar.

Erínea ouvia admirada. Não foi a primeira vez que ouviu a mensagem do evangelho. Lembrou-se...

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Era o aniversário de uma amiga. Erínea e Lutero foram convidados. Passando por uma praça, ouviram um coral evangélico apresentar com muita arte e vibração o hino "Castelo Forte". O namorado parou. Seu rosto estampava uma expressão de profunda saudade, de emoção e amargura.

    - Que houve?

    - Era o hino predileto de meu pai.

    - O que?!

    - Isto mesmo. Este hino é da autoria de Martinho Lutero.

    - É mesmo? Então vamos ouvi-lo.

Lutero baixou a cabeça. Fazia esforço para controlar-se, porque "homem não chora...". Depois do coral, ainda com a voz sufocada, relembrou:

    - Meu pai foi o maior fã de Martinho Lutero, o grande e extraordinário reformador, conforme se expressava.

    - Quer dizer que era protestante?

    - Era. Muito religioso e temente a Deus. Fui criado num lar cristão, meus pais me ensinaram a Bíblia, me levavam à Escola Dominical, onde eu participava. Depois fui crescendo, tive que trabalhar, entrei para o teatro, fui me afastando, até que abandonei a igreja por completo. Sinto muita saudade, foi o melhor tempo da minha vida, pode acreditar.

    - O hino mexeu com você, não foi?

    - Por favor, me compreenda.

    - Vamos? Estamos atrasados.

    - Não. Vamos ouvir a pregação primeiro.

O orador falou empolgado. O tema foi "O Evangelho é o Poder de Deus". Ressaltou também sobre a vida de Lutero.

    - Nossa! É a semana da reforma. Amanhã é 31 de outubro. Os evangélicos se reúnem sempre em praça pública, para as concentrações.

Quando os dois chegaram, a festa de aniversário já estava no meio. Lutero passou o tempo todo pensativo e Erínea impressionada. De volta para casa, ainda comentaram sobre o assunto.

    - Se a gente se casar, você topa ser protestante?

    - Eu?!...

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⏰ Última atualização: May 27, 2020 ⏰

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