Capítulo 2

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Numa bonita tarde de outubro, os dois se encontraram casualmente.

    - Então, você é a pequena notável?

    - Como assim?

    - Pensa que não a conheço? Sei até o seu nome: Erínea. É um bonito nome.

    - Andou investigando?

    - Sei também que você é inteligente e estudiosa. E, além do mais, muito bonita.

    - Engana-se.

    - Todas as garotas gostam de receber elogios. Você é diferente. Nem um agradecimento.

    - Vamos falar de outra coisa. Da mitologia grega, por exemplo.

    - Chi! Menina, você me apertou...

Lutero conhecia pouca coisa a respeito dos feitos históricos da antiga Grécia. Só sabia a lenda do Minotauro. Tratou logo de mudar de assunto.

    - Gosta de música?

    - Gosto.

    - Popular ou clássica?

    - Tanto Faz...

    - Vai à praia?

    - De vez em quando.

    - É... - Lutero coçou a cabeça - Acho que vou-me embora.

    - Já? Mas você ainda não me disse o seu nome.

    - É mesmo. Sou Lutero.

    - Bonito Nome!

    - Bem... Vamos ao que interessa.

    - E o que é que você deseja, afinal?

    - Desejo saber se você topa ser minha amiga.

    - Só isso?

    - Acha pouco, é? Pois fique sabendo que, em certas horas, a amizade vale por tudo. E eu estou precisando muito.

    - Está bem, eu topo.

    - Posso ir à sua casa?

    - Pode. Mas quero que saiba que meus pais pertencem a outra geração.

    - Não entendi.

    - Meus pais são idosos. Imagine você, depois que tiveram mais de meia dúzia de filhos, pensara que haviam encerrado a missão, mas depois de dez anos esta xeretinha apareceu. Daí você conclui o dengo...

    - Já sei. Você para eles é um bibelô, como diz minha mãe. Um objeto raro que tem de viver sempre muito bem protegido, escondido, talvez. Mais do que um bibelozinho. Você é uma espécie de joia caríssima, um diamante...

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A noviça apertou o anel com força, ao relembrar aquelas palavras. Se sou uma jóia tão preciosa assim, por que tive que vir parar neste lugar? Um diamante deve sr ostentado e não colocado num lugar oculto, onde seu brilho será esquecido obscuramente, pensou.

A mãe de Erínea não julgava assim. Entregando o tesouro precioso para o serviço de Deus, seria dar o melhor de si. A filha teria que aceitar e compreender um dia.

A moça tirou o anel do dedo. Fitou-o com ternura. - Ó Lutero, meu amor... eu te amo, eu te amo...

Foi tão bom conhecer Lutero naquele dia! Ele foi o primeiro rapaz a se interessar por Erínea. Pelo menos, o primeiro a procurar conversa.

    - Onde você mora, Lutero?

    - Minha mãe mora em Petrópolis. Não tenho pai nem irmãos. Aqui no Rio, moro no apartamento dos meus primos, naquele edifício, está vendo?

    - Estou, sim.

    - Trabalho numa firma, aliás, comecei faz uma semana.

    - Bem, foi um prazer. Tenho que ir, tá? Se demorar a chegar, mamãe será capaz de mandar gente atrás.

    - É uma pena... Agora que o papo está ficando melhor...

    - Sabe, daqui a um mês é o meu aniversário de quinze anos. Vou dar uma festinha em casa para meus amigos selecionados.

    - Selecionados?!

    - Tenho mania de selecionar amiguinhos, entende? Talvez por mamãe ser tão exigente. Cada colega que levo em casa, é aquele confessionário: Quem são os pais? É boa gente? De que religião? Onde moram? E tal, tal, tal...

    - Já vi que não vou arranjar nada.

    - Ah, deixe pra lá. Eu queria fazer-lhe um convite especial. Quer ser o meu parceiro na valsa? Tinha escolhido o meu irmão Joel. Mas garanto que ele nem vai ligar se lhe disser que arranjei um cavalheiro mais interessante.

Os olhos de Lutero faiscaram. Falar em valsa era mexer com ele.

    - Topa?

    - É claro...

    - Mamãe não gosta disso. nunca dancei. Mas quando se trata de uma data desta, toda especial, resolveu concordar.

    - Música, muita música....

    - Você não fala em outra coisa, hein? Gosta tanto de música assim?

    - Se gosto!

    - Tchau Lutero. Vou esperá-lo então.

    - Pode esperar. Tchau, Erínea. Pode crer que foi um prazer imenso poder conversar estes poucos minutos com você.

O mocinho fez um gesto gentil ao se despedir da amiga. 

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A festa de Erínea foi bonita. De vestido róseo, vaporoso, longo, a debutante parecia uma orquídea mimosa. Todos a olhavam admirados, cada qual com galanteios bajuladores.

O convidado especial se fazia demorar. Será que ele se esqueceu? Erínea foi esperá-lo no jardim. Só ela e Joel sabiam da troca. Dona Amélia tomou conhecimento de um novo amiguinho e foi só.

Com uma hora de atraso, ei-lo que surge surpreendente. Estava modestamente trajado, com uma calça bege e blazer da mesma cor. A cacharrel marrom combinou com a cor de sua pele. Lutero era alvo, cabelos claros, encaracolados, que cobriam as orelhas até a nuca. Os olhos amarelados fulgiam quais faróis acesos.

Com ares de importante, Lutero retirou um pequenino embrulho do bolso. A aniversariante abriu curiosa.

- Um chaveiro de brilhante? Como é lindo! Obrigada, Lutero.

- Aqui está todo o meu ordenado, o meu primeiro ordenado.

- Não é justo. Você foi extravagante.

- Sinto-me recompensado. Você merece. Creia.

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A noviça deu um soluço tão forte que acabou acordando a colega mais próxima.

- Que aconteceu com você, está passando mal?

Erpinea escondeu o brilhante. Mordia o travesseiro sufocada. Ninguém ali saberia aquela história, e muito menos decifraria o enigma do seu amor misterioso.

A Noviça SonhadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora