Entre corserlets e depoimentos nem tão secretos

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O sol ao menos tinha nascido no horizonte, mas o calor ameaçava ficar insuportável em pouco tempo. O parque estava quase isolado, algumas pessoas caminhando, levando o cachorro para passear, sentadas nos bancos de madeira lendo o jornal diário e, em uma parte mais remota, onde as árvores se abriam no canteiro florido com vista para a grande e movimentada Bangkok, uma equipe de filmagem foi montada.

Lisa chutou a porta do trailer, as anáguas do vestido a impediam de passar e por isso, precisou de ajuda para sair. Era como se estivesse entalada, mal conseguia andar, então, andando de pouquinho a pouquinho como uma tartaruga com a casca apertada, chegou a uma Jennie confiante, sentada em um dos banquinhos do parque.

— Eu não consigo respirar — conseguiu dizer.

Jennie parecia levar tudo aquilo com uma maestria invejada, os cabelos estavam soltos e pequenas pétalas de flores brancas artificiais foram presas pelos fios castanhos, a maquiagem brilhava. O vestido de noiva rendado e na forma de uma saia-lápis não parecia incomodá-la, na verdade, poderia ter sido costurado ali mesmo, com ela dentro.

Lisa não poderia dizer o mesmo sobre si, o photoshop seria o único capaz de tirar a oleosidade do seu rosto graças a maquiagem pesada. Colocaram tanto aplique nos seus cabelos que sentia a cabeça pesar e o vestido mais parecia um bolo. Estava pronta para debutar em uma festa de 15 anos. Quando achou que não poderia piorar, vieram duas garotas de sorrisos bonitos, com uma coisa nos braços que pensou ser arreios para colocar em cavalos, mas a rodearam e apertaram aquilo em volta da sua barriga.

Jennie gargalhou da desgraça de Lisa.

— Nunca vestiu um corselet antes?

— Então esse é o nome dessa coisa? — rugiu, enfadonha. — Essas fotos vão sair horríveis, Jennie. E ainda vão fazer banners, posters, vão pregar por aí.... fotos com a minha cara desse jeito. — Apontou para o próprio rosto.

— Não se preocupe, quando você se casar de verdade vai ser do seu jeitinho. Nada de corselet e fotos ao ar livre. — Ela se aproximou, tirando um fio de cabelo que grudava no rosto de Lisa pela quantidade de laquê.

Um aperto no peito quase fez a vice-filha implorar ar novamente, e acabou culpando o corselet. Jennie fazia questão de lembrar sobre o acordo todos os dias, como se quisesse se ver livre logo. E não a culpava por isso, só culpava a si mesma pelos devaneios incessantes, pensando que talvez fosse divertido se escolhessem vestidos parecidos com a suas personalidades, flores e cores, passando horas sentadas no chão do apartamento dela com um monte de revistas sobre bolos e uma taça de vinho pela metade.

Jennie estaria vestindo um blusão de Lisa, deitada no tapete entre o sofá e a televisão; a luz da sala estaria apagada e apenas um abajur seria posto no chão próximo a elas, a luz vermelha sobrepondo a semi escuridão do cômodo. Jennie e os lábios manchados de vinho, sorrindo debilmente quando o álcool fizesse efeito, e a conversa sobre o casamento se dispersaria facilmente e...

Lisa balançou a cabeça, atordoada, e obrigou-se a pensar no presente.

— Seja sincera, eu tô muito feia? — Se aproximou um pouco mais de Jennie, que riu, apertando as bochechas lotadas de maquiagem. — Você tá toda linda... e... e eu pareço prestes a adornar um bolo de chantilly.

Jennie piscou algumas vezes, desconcertada antes de voltar a falar.

— Você está... exótica.

— Arh! Eu sabia!

— Pensa pelo lado bom, essas mangas eram moda nos anos 90!

— ALGUÉM TIRA ESSA JOÇA DO MEU CORPO. — Se sacudiu, o corselet ao menos se mexia e a agitação fez um novo fio de suor escorrer pela testa.

Um acordo entre nósOnde histórias criam vida. Descubra agora