— Ué! Mas já vai pra rua de novo? Tu não quieta não, é?
— Tenho de retirar dinheiro pra pagar o jardineiro, meu bem. Meu dinheiro acabou e ele não tem conta bancária.
— Ai, meu Deus! Se eu soubesse disso, não teria nem te chamado pra atender a porta.
— Poxa, mulher. O velhinho tá precisando.
— Velhinho? Tu é muito mais velhinho do que ele. Vê se pelo menos não esquece a máscara.
Ele sai e caminha três quarteirões até o banco mais próximo. Ao chegar ao umbral do prédio, frente à porta giratória, estaca: "Pombas! E agora? Será que entro de máscara? De máscara preta e óculos escuros pretos... É ruim, hem? Melhor não, vão pensar que sou bandido. Vou deixar só os óculos, senão fico cego". E, metendo a mão na porta, de cabeça baixa, empurra-a ao mesmo tempo em que retira a máscara.
— Ei! Você aí! — grita uma caixa. — Segurança!
Dois homens enormes saltam sobre o pobre sujeito que, perdendo o equilíbrio, cai de rosto contra o chão, entortando os óculos.
— O que vocês tão fazendo? Parem! Não sou bandido!
O segurança mais forte, um mulato de dois metros, lhe dá uma chave de braço.
— Cala a boca! Chama a polícia lá, Marcos!
— Polícia?! Mas... por quê?
— Quieto! — diz o segurança, forçando tanto seu braço que um súbito estalo é ouvido até por outros clientes do banco.
As únicas duas caixas e o gerente largam seus postos e se aproximam.
— O senhor não tem vergonha de vir ao banco sem máscara?
— Mas ela tá aqui no...
— Coitado! — diz uma senhora, muito gorda e de ar benevolente. — Vocês não estão exagerando?
Nisso, tem início um bate-boca entre clientes e funcionários, uma divisão equilibrada de opiniões que, para martírio do pobre desmascarado, não parece ter fim.
— Acho que ele está pegando alguma coisa no bolso! — grita um homem, moreno forte, de camiseta regata. — E se for uma arma?
Com a indignação resultante, um círculo se fecha ainda mais sobre o desmascarado, que geme amaldiçoando o dia em que não quis parecer um bandido, ao passo que o homem de camiseta regata, ágil e discreto como um gato, salta por cima do balcão do caixa, atrás do qual enche os bolsos de dinheiro. Na saída, diante da porta giratória, ainda comenta com os policiais recém chegados:
— Um absurdo! Numa pandemia como essa, um descarado aí teve o desplante de vir ao banco sem máscara!
— Preocupa não, senhor! A gente dá um jeito nele.
— É bom mesmo! Onde já se viu? — diz, por fim, subindo na garupa do companheiro que o aguardava.
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Crônicas da Quarentena
HumorNarrativas bem-humoradas que, em meio à pandemia do coronavírus, acompanham o cotidiano dos quarentenados. (Capa: Felipe Techio.)