Capítulo 02

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Any Gabrielly

Toronto, Canadá

Segunda, 23 de junho de 2020

Fechei os olhos e respirei fundo encaixando minhas escápulas, apoiando a mão esquerda levemente na barra que havia na sala.

As lembranças do meu desastroso solo percorriam minha mente. O tom de decepção na voz de Martha enquanto esperávamos o laudo dos médicos ainda me frustrava.

Hoje faziam 2 anos desde o tal desastre. 2 anos que eu não dançava profissionalmente.

O resultado dos exames após minha queda não eram nada bons: 1) eu estava anêmica - e tive que ouvir inúmeros sermões de minha mãe, dizendo que havia me avisado que eu precisava me alimentar melhor. Não a culpo, eu também me daria uma bela bronca. 2) meu pé direito havia quebrado e meu quadril estava gravemente lesionado, obviamente pelo fato de o peso do meu corpo ter caído inteiramente sobre ele.

"Você vai precisar de muitas sessões de fisioterapia e acompanhamento frequente, Any. Receio em dizer que a senhorita precisara se manter afastada da dança pelo menos pelos próximos 6 meses." O médico disse ao finalizar o diagnóstico - que eu confesso que já esperava.

Pelo menos 6 meses. 183 dias sem poder dançar. Seis meses sem ter a certeza que poderia voltar aos ensaios ao final desse tempo.

E não voltei. Não voltei por longos dezoito meses. Um ano e meio afastada. 

Os primeiros seis meses de recuperação foram os mais difíceis. Sentia dores frequentemente e as sessões de fisioterapia exigiam um tremendo esforço de minha parte. Além do fato de ter precisado da ajuda de muletas para caminhar durante todo esse tempo.

Recebi alta no final do oitavo mês. Os médicos disseram que eu já poderia voltar com a dança, gradativamente. Nada de muito esforço, nada de competições que exigiriam muito do meu corpo. E eu tentei, mas simplesmente não conseguia. O meu pé direito já não era mais tão forte como antes. Subir na ponta da sapatilha era uma missão quase impossível para mim. Por medo.

Medo de falhar outra vez, medo de me machucar. Ao longo de toda a minha vida na dança, obviamente torci o pé algumas vezes, tive inúmeras bolhas, mas não houve uma única vez que me machuquei tão seriamente - até agora.

Um ano após o acidente meus pais receberam uma proposta de um emprego melhor no Canadá, e viemos para Toronto. Pensei que aquela era a minha chance de recomeçar, mas também não funcionou. Começava a dançar, e minha mente voltava para o dia do maldito acidente.

Dois meses depois que chegamos - quatorze meses após o trágico solo -, as coisas em casa não estavam indo nada bem. Meu pai mudou drasticamente. Quase não podia ser reconhecido. Até que um dia saiu para o trabalho, e resolveu não voltar mais pra casa, sem mais nem menos. Naquele momento, tive que ser extremamente forte. Forte por mim, forte pela Belinha, forte pela minha mãe.

Mamãe foi diagnosticada com transtorno bipolar quando adolescente, e era meu pai quem sempre a ajudava a passar pelos episódios. Era ele quem fazia com que ela tomasse seus medicamentos regularmente, para controlar o distúrbio. Com a ida dele, minha mãe voltou a apresentar os episódios com mais frequência. Primeiro vinham os de euforia, onde ela ficava extremamente agitada, querendo ser o mais produtiva possível, tentando fazer mil coisas ao mesmo tempo. Depois, os depressivos. E eram esses os mais difíceis, onde ela perdia a energia e a motivação por dias.

Aos poucos, conseguimos superar tais dificuldades e os episódios voltaram a ser controlados. Consegui um emprego de garçonete no bar de um hotel. Precisava do emprego para ajudar minha mãe a sustentar nossa família, e com isso meu sonho de ser uma bailarina de Bolshoi foi sendo deixado de lado. 

Can I Have This Dance? || BeauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora