Capítulo 04

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Any Gabrielly

Toronto, Canadá

Quarta, 24 de junho de 2020
03:46 A.M.

- O teatro só abre às nove, Any. Você sabe disso - Ricky, o zelador do teatro diz quando me vê bater na porta. Ele era um senhor de meia idade, gordinho com os cabelos grisalhos, de uma honestidade imensa. Cuida daquele lugar como ninguém, há 25 anos.

- Bom... São nove da manhã em algum lugar do mundo, Ricky - sorrio fraco estendendo o café que tinha em minhas mãos para ele - Por favor? Prometo que vai ser a última vez.

- Você disse isso da última vez.

- Eu sei, mas agora é pra valer. Estou indo para Londres - o senhor à minha frente franziu as sobrancelhas e abriu a porta de vidro para que eu pudesse entrar.

- Londres? Desculpe perguntar, mas por que a mudança repentina?

- Só... Alguns problemas pessoais Ricky - olho para o homem na minha frente, que assente murmurando um "tudo bem" e volta para a sua sala alguns segundos depois, deixando-me sozinha sentada em uma das cadeiras da plateia do teatro.

Após tirar meus tênis e deixá-los em baixo da cadeira que estava sentada, pego minhas sapatilhas dentro da bolsa. "Você é forte" estava escrito sobre a sola gasta das mesmas, em uma caligrafia irritantemente simétrica, mas me fazia sorrir sempre que olhava para a frase, apenas pelo fato de ter sido Belinha quem escreveu tais palavras ali. Abaixo dela encontravam-se os nomes de minha mãe e de minha irmã bem menores e mais gastos - juntamente com uma letra d e uma letra e, para indicar o pé direito e o esquerdo. 

Depois da queda, adquiri tal superstição. Acreditava que aquilo poderia me dar força, ser um tipo de âncora para me agarrar quando eu precisasse, e até que têm funcionado.

Suspiro calçando-as pela última vez. Depois, seriam apenas uma lembrança.

Amarro as fitas de cetim nos tornozelos e puxo meus cabelos para um rabo de cavalo alto em seguida, subindo ao palco do teatro. Quantas vezes sonhei em estar aqui, fazendo o que amo. Nunca podia imaginar que a última vez chegaria tão rápido.

Deito no chão, no meio do palco, olhando fixamente para o teto. Queria memorizar cada pedacinho daquele teatro, o máximo que pudesse. Sorria sozinha quando lembranças das minhas apresentações vinham à minha mente. Esmeralda era o meu solo preferido. 

Havia o apresentado quando ainda estava no Brasil, aos quinze anos. Foi o meu primeiro solo na sapatilha de ponta e logo depois veio o do Quebra Nozes - o tão falado solo do meu acidente. Diferentemente de Clara, Esmeralda era extremamente forte e eu me sentia muito bem performando-o.

Por isso, decidi que o dançaria aqui e agora, uma última vez. 

Levantei do chão, colocando a música para tocar. O solo era feito com um pandeiro - e obviamente eu não o tinha no momento - então peguei meu caderno de anotações para fazer como se fosse o instrumento.

Inspirei e expirei  ar profundamente mais uma vez antes de começar a dançar. Entre développés, grand battements* e giros - que por conta da minha insegurança e do meu medo foram realizados na meia ponta - fiz a coreografia que tanto me encantava com um sorriso largo estampado no rosto.

Ao final da música, as luzes do teatro se acenderam, assustando-me. Me levantei rapidamente da pose final, percorrendo meu olhar pela plateia do teatro. Foi quando eu vi, sentada em uma das últimas fileiras, a mulher que havia tentado me convencer a dançar com Josh. Katia. Por que ela sempre está em todo lugar?

Can I Have This Dance? || BeauanyOnde histórias criam vida. Descubra agora