A cidade no meio do caminho

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O dia chegava ao seu ápice quando eles enfim pararam para descansar. Bakugou se via forçado a admitir que estava impressionado com o vigor de Kirishima e, acima de tudo, com o pouco cansaço que ele parecia demonstrar. Após sete dias e sete noites de árduas caminhadas e escaladas, ele já havia se habituado a companhia do outro e ao jeito efusivo e entusiasta com que ele parecia agir com tudo. O fato mais incrível, no entanto, era que Katsuki gostava de sua companhia.

Ele se pegava ocasionalmente o observando, estudando o sorriso fácil que sempre lhe aparecia nos lábios, o impulso de liberdade que o acometia ao se jogar nos céus e navegar por entre as copas com os braços estendidos e giros graciosos. Por mais que temesse ser avistado e ter sua localização exposta, o guerreiro não conseguia impedi-lo de voar, ele não seria capaz de lhe negar essa autonomia, aquele momento que lhe parecera um escape de tudo, no qual somente os céus e o vento poderiam compreendê-lo. Com Eijirou ali, a floresta parecia menos solitária e mais vívida, como se de algum modo sua presença despertasse nela partes há muito adormecidas.

Eles colheram maçãs frescas das frondosas macieiras que cercavam a trilha gasta pela qual seguiam, amoras doces e carregadas dos arbustos, e mergulharam as mãos nas águas límpidas da nascente. Kirishima rolou na grama repleta de flores silvestres e se espreguiçou confortavelmente antes de esticar bem as asas ao sol. Katsuki apenas observou em silêncio, as mãos trabalhando no ato repetitivo de mover a pedra de amolar pela lâmina curva da espada, o chiar do contato contra o metal sendo o único som a retumbar pelo espaço.

Ele precisava dar o braço a torcer, aquele era um daqueles raros momentos onde todas as coisas pareciam estar no lugar a que pertenciam e o mundo girava em sua perfeita harmonia. Bakugou havia dito que aprenderia a confiar nele, agora via que essa não seria uma tarefa tão difícil quanto havia pensado. Um suspiro satisfeito veio de onde Kirishima se encontrava deitado, o vermelho das escamas refletindo a luz do sol como as chamas ardentes de uma fogueira. Bakugou considerou a questão que vinha corroendo sua mente desde o incidente com as papoulas. Além do voo, ele não o vira demonstrar mais nenhuma outra habilidade fantástica que era dita ser parte de sua espécie. Fazendo algo a que não estava habituado, ele quebrou a aura de tranquilidade e resolveu externar suas dúvidas.

— Então — começou, um pigarro rouco lhe saindo da garganta evidenciando seu desconforto de ser aquele que inicia a conversa. —, dragões não deviam ser seres cheios de poderes fenomenais e labaredas de chamas de tamanho espetaculares?

No chão, Kirishima fez um muxoxo descontente. Ele se virou de bruços e passou a arrancar as pequenas flores brancas que se espalhavam pela grama verde e torcê-las juntas em um complicado arranjo. O meio dragão permitiu que a pergunta pairasse no ar entre eles e brincou com o que deveria responder em sua mente. No entanto, antes que Bakugou perdesse sua já pouca paciência, ele disse em um tom brincalhão, mas não muito feliz:

— Você tinha que tocar no assunto. — Afastou uma folha murcha do seu trabalho e observou o perfil do loiro que se manteve em silêncio, aguardando a resposta. Suspirou. Não fazia sentido esconder isso dele agora, não depois da promessa que havia feito e para o que eles estavam se encaminhando. — Sim, você tem razão, dragões são criaturas de poderes incríveis, mas por algum motivo os meus não estão funcionando como deveriam. — O canto de sua boca se inclinou, descontente. Admitir sua quase inutilidade além de ser doloroso era um golpe forte em seu orgulho. — Tenho sorte, imagino, de ainda ter as minhas asas. Tudo seria bem pior sem elas.

— Como pretende lutar sem poderes? — A pergunta soou rude, mas arrancou uma risada do ruivo.

— Você vai lutar e não tem nenhum poder que eu saiba. — Apontou. Bakugou fechou a cara diante esse cutucão.

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