A batalha de Rakish'ar

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Kirishima despertou com uma forte sensação de atordoamento.

Ainda podia sentir o toque morno da pele de Bakugou contra a sua, o movimento de seu peito subindo e descendo com a respiração entrecortada e então aquelas últimas palavras, um pedido de desculpas que não condizia com a personalidade do guerreiro logo antes do mundo ser apagado diante dos seus olhos. Ele forçou as pálpebras a se abrirem e se deparou com o brilho das estrelas a lhe recepcionarem. Já era tarde, percebeu com espanto, erguendo-se da grama macia que cobria o chão do bosque e olhando em volta para constatar que ele realmente havia partido.

Kirishima já devia saber que sim.

Sentia aquele laço em chamas, antes tão vívido e presente, se esticar por entre as árvores não passando de um leve farfalhar que mal podia ser ouvido. Naquele momento, pela primeira vez desde que havia acordado fora do orbe, ele estava verdadeiramente sozinho.

— O que eu faço agora? — perguntou em um sussurro desesperado, as mãos enfiadas nos cabelos sendo tudo o que impediam sua cabeça de cair contra o peito.

— Acredito que já saiba a resposta para essa pergunta, Jovem Mestre. — Midoriya apareceu em seus passos silenciosos, assustando-o.

— Não sei o que quer dizer. Como posso saber de alguma coisa? Ele estava certo — murmurou mais para si do que para o outro. — Tudo que eu faço é atrasá-lo e nem sequer tenho algum poder que possa ser útil, nem mesmo essas asas sevem de alguma coisa. — Ele as estendeu e recolheu em um movimento irritado.

— Está enganado, seus poderes sempre estiveram com você — ele respondeu no mesmo tom calmo e comedido que sempre utilizava, observando-o com aqueles olhos verdes velhos demais em um rosto tão jovem. Aquilo o irritou.

— Então por quê? Por que não consigo acessá-los? — Se voltou contra o líder, precisando de um alvo no qual pudesse concentrar sua raiva, o sangue fervente e sua consciência da própria inutilidade o fazendo levantar e agitar os braços para extravasar sua fúria.

— Tudo que os impede é seu medo de usá-los.

— Medo? Eu não estou com medo! Preciso ajudá-lo, ainda que ele não queira minha ajuda, mas preciso provar que posso. Eu... eu fiz uma promessa. — De repente, toda a energia agitada que surgira num rompante, desapareceu, deixando-o cair de joelhos a fitar o céu que se estendia infinito sob sua cabeça. — Eu prometi que seria seus olhos e asas, o fogo que queimaria seus inimigos e a força na qual ele poderia se apoiar. E ainda assim, continuo aqui, incapaz demais para cumprir uma promessa.

Midoriya aguardou. Ele conhecia os dragões há muito tempo para saber quando não se intrometer e conhecia os humanos bem demais para entender seus corações confusos e vidas que queimavam tão fácil, mas de modo tão brilhante quanto uma chama ardente. Os olhos rubros se voltaram para si, cintilantes e úmidos, as lágrimas caindo pelas bochechas como pequenos pedaços de cristais. Naquele momento, ele soube, que estava diante de um ponto crítico e que era o único capaz de ajudá-lo a superar.

— Por que eu não consigo? Como vou cumprir esse destino e salvar os meus se nem ao menos consigo salvá-lo?

— Você sabe o que tem que fazer, Jovem Mestre — repetiu com mais firmeza, caminhando até ele e puxando o tecido vermelho que usava de lenço, expondo o colar de bronze o qual este escondia. — Precisa se livrar das correntes do seu passado e almejar o futuro. — Olhos verdes encararam os rubros com uma confiança serena. — Você é o único que pode ditar os seus passos e receio que seja nossa única esperança. Acredite, apenas acredite que você consegue e então não existirá nada que não possa fazer.

Kirishima engoliu o nó em sua garganta e a sensação sufocante de insuficiência que insistia em se alastrar por seu peito. Respirando fundo para se acalmar, ele fechou os olhos e juntou as mãos na mesma pose que tantas vezes vira o pai faz sob o Sol nascente. No alto, o céu se tornou mais claro, o rosa-alaranjado tomando o azul e mesclando-se como tinta infundida na água. Os ventos cessaram e os sussurros dos bosques se calaram, todos os arredores suspensos naqueles ínfimos segundos em que o ruivo apenas meditava.

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