#Cáp.0 (PILOTO)

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"Do you ever feel like a misfit?

Everything inside you is dark and twisted..."


A noite está fria, não consigo pegar no sono... algo está me incomodando e não é o ronco de Gustav, um de meus cinco colegas de quarto.

Silenciosamente me sento em minha cama, pelas sombras projetadas no chão escuro de madeira vejo garras prontas para me dilacerar por inteiro, mas já assisti filmes de terror o suficiente para saber que aquilo são só os galhos da velha e moribunda árvore do nosso quintal.

Me levanto e assim que meus pé descalços tocam o chão sinto um arrepio percorrer minha espinha, decido ir à cozinha, um copo de leite quente vai ajudar com a insônia.

Ando lentamente pelos corredores do Orfanato Santa Dhalia, ninguém pode saber que estou perambulando à essa hora, desrespeitar o toque de recolher é passível de punição... e nem queira saber quais práticas foram "adotadas" pela Irmã Marise, a encarregada pela diretoria desse lar tão acolhedor.

Chego à cozinha, abro a geladeira e sinto o ar gélido agredir minha face, pego a jarra de leite e despejo um pouco no bule limpo pendurado ao lado da pia.

Mas é quando acendo o fogo que sinto algo roçar meu calcanhar, rapidamente me viro, esperando ver Gatarina, nossa gata de estimação, mas não vejo nada, mas tenho certeza que senti algo. O bule começa a assobiar.

Sinto um cheiro estranho de repente, algo impossível de ignorar, decido ir ver do que se trata.

Mas, no primeiro passo que dou, uma coisa preta pinga à minha frente, paro imediatamente e quando olho para cima vejo uma figura disforme, preta e de aparência pegajosa, se movendo lentamente, escorrendo e pingando do teto, olhos esféricos e acinzentados vidrados em mim, e os dentes, dezenas de dentes grudados ao redor do corpo daquela coisa, seriam dela ou...

Num piscar de olhos aquilo desgrudou do teto, caindo à minha frente, fazendo um baque surdo ao atingir o chão porcelanado na cozinha, me assusto e cambaleio para trás esbarrando no fogão, sinto o ardor do fogo em meu cotovelo e caio sentado, então vejo que a criatura está rastejando até mim, roncando como se estivesse com... fome..?

A coisa chega mais perto, não consigo me mexer, não consigo gritar, estou paralisado, aquilo olha em meus olhos e produz um som oco, sinto algo melar meus pés, meus calcanhares, minha canela, mas isso não se compara a dor que sinto em minha mão, o leite que outrora estava fervendo no bule agora se derrama em mim. É meu fim.

A criatura abre a boca, com os dentes agora se voltando para mim, se movendo como um triturador, sinto o fedor de lixo inundar minhas narinas e a bile subir a garganta.

Acordo

Suado, frio e nove anos mais velho, agora com 18, deitado em minha cama, a cicatriz ainda quente em minha mão, sozinho em meu quarto desarrumado, sozinho...

Sento-me e busco meu maço de cigarros, já tentaram me convencer a parar, mas quando não se tem um minuto de paz, a nicotina é um bom substituto.

Pela janela entra um vento fresco que anuncia a chuva que está por vir, o letreiro neon do Bar Minguant brilha a frente, olho meu despertador e vejo que são 03:00 da manhã, ótimo.

Acho que dormir não vai rolar.


"...Oh, but it's okay to be different

Cause baby, so am I..."

Órfão ArcanoOnde histórias criam vida. Descubra agora