VII

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Era estranho para Taehyung que seu primeiro ato de desobediência se devia a Jeon Jeongguk. Mas não era tão absurdo; em menos de duas horas, o ômega esqueceu-se completamente de quem era.

Os jogos no vilarejo era a coisa mais divertida que o Kim pôde experimentar em muito tempo. Ali não parecia ter suas classes impedindo-os de fazer algo — ele viu com os próprios olhos alguns ômegas brincarem de queda de braço com alfas, surpreendendo-se com os constantes empates que estava acontecendo no decorrer dos jogos. Taehyung teve que botar suas pernas para trabalhar quando participou de uma corrida, tendo como recompensa várias maçãs suculentas de alguns feirantes que acompanhavam os jogos. Aparentemente, os jogos também serviam de ajuda voluntária por parte dos filhos nobres.

Houve um momento em que Taehyung teve que ajudar um comerciante a carregar caixotes de farinha de trigo. Quem carregasse mais no final iria ganhar qualquer comida que quisesse de graça por um dia; o ômega não estava com fome, mas queria ganhar pelo menos um dos jogos. Foi com felicidade que teve a ajuda de Jeongguk na tarefa, pois era permitido duplas e o alfa era muito mais forte do que parecia.

Durante grande parte do dia, Jeongguk ficou ao seu lado. A companhia dele fazia Taehyung se questionar o motivo de não poder ficar ao seu lado todos os dias. Não queria ficar pensando no quão injusta sua mãe estava sendo, mas foi inevitável durante alguns minutos naquele passeio. Ele se permitiu ter esse breve momento de reflexão, até que não aguentasse mais aquele sentimento de impotência. Ao menos, pouco à pouco, ia esquecendo-se da conversa cada vez mais que se aproximava do Jeon.

— ... Então você puxa, mas segura com força o cabo para não acabar se machucando — Jeongguk instruiu um pouco mais próximo do que imaginava. Mas não era incômodo. Na verdade, Taehyung estava quase se deleitando com o quão próximos estavam.

Deveria se sentir errado? Porque tudo o que ele conseguia distinguir em sentimento por estar tão perto do seu amigo de infância, era conforto. Satisfação. Um leve desejo de mais.

— Eu não tenho tanta força assim...

— Tente — incentivou, fazendo o ômega parar de hesitar.

Estava treinando acertar uma maçã com um estilingue. Parecia tão fácil usar o brinquedo, mas acabou descobrindo que era um tanto quanto complicado. Tal instrumento causava muita controvérsia dentro da casa dos Kim, já que o ômega caçula da família foi pego brincando, contrariando completamente a tradição cultural. Taehyung se lembrava da briga pesada que teve, Vera exalava uma aura capaz de deixar qualquer ômega acanhado — ele mal conseguia imaginar como seu irmãozinho de doze anos se sentiu.

Mas estava ali, indo contra tudo o que sua mãe alguma vez já colocou na sua cabeça. Segurava o estilingue com força, determinado a derrubar a maçã daquela árvore pouco afastada do centro do vilarejo. Podia escutar Yoongi rindo do outro lado, onde o grupo de amigos estavam brincando de mímica, como num teatro plebeu. Todos estavam se divertindo.

Taehyung não estava arrependido.

Porém, no entanto, quando por fim soltou o elástico do estilingue e esperou que a pedra acertasse a maçã, teve a surpresa do elástico bater com força na sua bochecha esquerda fazendo-o cobrir o rosto com as mãos em reflexo. Nem tinha doído tanto e com certeza era melhor ter acertado na bochecha do que no olho.

— Tae! Você se machucou? Está doendo?! — Ele imediatamente sentiu o toque quente de Jeongguk, as duas mãos segurando seu rosto e o olhos examinando-o tão detalhadamente que se sentiu quase nu. — Wow, isso vai ficar vermelho!

— E-Eu estou bem-

— Tem certeza? Parece ter doído — contornou o polegar onde estava a marca rosada na bochecha do ômega. Taehyung sentiu um pouco dolorido, mas estava ocupado demais encarando os olhos bonitos do alfa na sua frente para se queixar da dor. — Pelo menos não pegou no seu olho...

— Eu disse que não tinha tanta força — argumentou, ficando desconcertado quando Jeongguk se afastou para pegar o brinquedo do chão. Tinha ficado tão imerso por segundos que esqueceu-se o que estava fazendo.

— Podemos tentar outras vezes — ele sorriu fechado, as maçãs do rosto fazia com que seus olhos se tornassem mais bonitos ainda.

A paisagem por si era muito bonita, acabava dando a Taehyung uma sensação de que estava dentro de uma pintura. O pôr-do-sol alaranjado deixava Jeongguk parecendo um anjo avassalador; incrivelmente, o cheiro de "sol" combinava com os jacintos roxos — contraditório, pois Jeongguk veio de uma província que nevava quase o ano inteiro. Por que ele combinava tanto com o sol?

— Tem algo no meu rosto? — só depois de um tempo que Taehyung notou estar encarando-o demais. O que acabou causando um leve rubor nas bochechas do alfa. — Você ficou me encarando...

— O sol combina com você — foi sincero. Não tinha o porque não dizer a verdade, embora sentisse um pouco de constrangimento. — É diferente do lugar que você veio, não?

— Bem, sim — ele deu um leve balançar de cabeça, parecendo tímido. Taehyung sentiu seu peito inchar. — Mas eu gosto do clima daqui.

O silêncio não foi tão incômodo, embora Taehyung quisesse ouvir mais sua voz. Ambos foram até o grupo que estavam brincando de mímica, assistindo-os de cima da breve plataforma rochosa que tinha próximo a uma casa vazia. Dali era possível ver melhor o horizonte plano, dando-os uma vista privilegiada do pôr-do-sol.

Infelizmente, o fenômeno também lembrava a Taehyung que o dia estava em seu fi e que teria que voltar para casa.

— Jeonggukie, eu preciso ir — disse tão baixo que se questionou ter sido ouvido. Sua confirmação veio com Jeongguk o encarando repentinamente. — Mas antes, eu queria conversar com você sobre... sobre aquele dia.

O alfa pareceu confuso por um momento. — Você quer dizer, o dia em que te encontrei durante a noite do lado de fora?

— Sim, esse dia — respondeu, organizando melhor as palavras mentalmente. — Bem, eu tinha acabado de entrar no meu período e foi por isso que minha mãe ficou muito brava por eu estar perto de um alfa. Mas eu sei que você estava tentando me ajudar. Minha mente estava bem embaralhada, mas eu sei que você é um bom alfa, Jeonggukie.

— E-Eu — A voz dele falhou, parecendo constrangido por lembrar do episódio. — Eu apenas fiz o que era certo. Não podia te deixar sozinho lá.

— Sim e eu só tenho o que agradecer por isso — deu-lhe um sorriso curto, demonstrando-se calmo durante a conversa. — Obrigado pela ajuda, Jeonggukie. E me desculpe pelas palavras da minha mãe... Ela me proibiu de ficar muito tempo perto de você porque acha que você é um alfa aproveitador. Isso não é verdade, então eu não me importo de desobedecer ela um pouquinho...

— O que? — indagou, confuso. — Ela te proibiu de me ver? — Taehyung concordou com a cabeça. — Oh... Bem, eu não julgo ela. É normal pais se sentirem assim — ele deu de ombros, porém pareceu triste. — Mas fico triste, porque eu queria te levar à praia para podermos dar um passeio e...

— Você ia me levar para a praia?! — o coração do ômega doeu forte, batendo um pouco mais rápido com a fala do alfa. Seus olhos ficaram um pouco maiores, surpreso e eufórico. Jeongguk sabia o tanto que ele queria ir a uma praia?

— Sim, não fica tão longe daqui e eu me lembro de você falando sobre. Eu posso te trazer mais algumas conchas quando for da próxima vez-

— Eu vou com você!

Jeongguk o olhou confuso, mas tinha um pequeno sorriso despontando de seus lábios. — Mas sua mãe-

— Ela me proibiu e eu ainda estou aqui com você, não estou?

Algo pareceu ter atingido Taehyung, como se fosse toneladas de tijolos. Era uma grande onda de realizações; Jeongguk o olhava como se fosse uma pintura que lhe causava um sentimento de euforia, gargalhadas felizes e divertimento. Porque Taehyung parecia tão determinado e ele nunca ficou assim antes. Veio a realização de que, sim ele estava desobedecendo Kim Vera.

E não se sentia mal por isso.

O porto da baleia | tae.kookOnde histórias criam vida. Descubra agora