Capítulo 2

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"Os indivíduos suicidas sofrem frequentemente com maiores problemas ambientais do que os seus colegas não suicidas, incluindo histórias de abuso, problemas familiares, questões culturais, dificuldades de relação interpessoal, e exposição a stress extremo ou crónico. Em conjunto com o humor depressivo, esta carga ambiental aumenta a probabilidade de suicídio." - OMS 2006 

"Olá Ava! Elas já estão à tua espera"- diz-me um dos guardas da prisão após ter passado pela segurança à entrada.

"Olá! Obrigada!"

Dirijo-me ao local onde costumamos ter as nossas sessões de grupo. Hoje vou trabalhar com o grupo de presas que têm antecedentes relacionados com ideação e tentativa de suicídio. As mulheres com quem trabalho atualmente são a Carla, Sandra, Joja, Mikaela, Dana e a Laura. O que nos é dito nas aulas é que há mil e uma razões que levam as pessoas a tentar o suicídio e que nem sempre há sinais de que alguém está prestes a tirar a sua própria vida. Tendo em conta que estas mulheres têm antecedentes e estão a cumprir penas, muitas vezes sem visitas das famílias, é importante apoia-las. 

"Olá Ava!"- diz Joja, assim que eu entro na sala. 

A Joja é o membro mais recente deste grupo. Ela nunca tentou o suicídio e eu conhecia-a apenas do grupo das mulheres toxicodependentes, no entanto uma altura ela revelou que já tinha pensado em tirar a sua vida quando chegou à prisão, pelo que, achei pertinente integra-la neste grupo.

"Olá Joja! Como foi a semana?"- puxo uma cadeira para me juntar ao grupo que já está sentado em cadeiras numa roda, como é costume.

"Normal! Tivemos acesso a uma televisão e vimos um filme no Domingo."

"Ótimo! Muito bem, senhoras, vamos falar um pouco das nossas semanas? Alguém quer começar?"

"Hm... Eu posso começar!"- diz a Carla.

"Força, Carla! O que é que tens para partilhar connosco hoje?"

A Carla é uma mulher condenada por rapto e abandono de uma criança. Ela contou numa das primeiras sessões que roubou um carro para fugir à policia, no entanto, não percebeu que havia uma criança no banco de trás... Quando percebeu abandonou o carro e a criança esteve desaparecida durante algumas horas... Caso tivesse acontecido alguma coisa à criança a pena dela teria sido muito maior. Isto foi bastante traumático para ela visto que a maioria dos seus crimes tinham a ver com furtos a lojas pequenas e nunca envolviam outras pessoas, por isso, quando chegou à prisão a sua adaptação foi bastante complicada e ela começou a mostrar sinais de depressão, logo, por recomendação do médico da prisão, foi colocada neste grupo.

"Eu acho que estou pronta para falar..."- diz, surpreendendo-me. Desde o inicio das sessões ela nunca partilhou nada para além do motivo de estar presa.

"Quando quiseres..."- incentivo.

"Eu não fui honesta... Quando me perguntou se eu já tinha pensado em terminar com a minha vida..."

"Isso quer dizer que já tiveste ideias de o fazer?"- pergunto, cautelosa.

"Quer dizer que já o tentei fazer..."- revela com lágrimas nos olhos- "Eu tentei enforcar-me na primeira semana que cá estive..."

"Foi por isso que tinhas aquelas marcas no pescoço?"- pergunta a Mikaela, outra reclusa, admirada.

"Sim... Eu fiz uma corda com uns fios que tirei de uns sacos quando estava a ajudar na cozinha... Mas quando me estava a enforcar a corda rebentou..."- diz chorando incontrolavelmente.

"E como te sentiste?"- pergunto mantendo uma voz calma.

"Um fracasso... Nem sequer consegui suicidar-me como deve ser..."- revela entre soluços.

The Boy UpstairsOnde histórias criam vida. Descubra agora