Nós pertencemos um ao outro

Capítulo 3

"Uma vez dividido, nada resta para subtrair"

Muitas vezes achamos que nada temos.

Após o choque, não consegui nem trabalhar, só desliguei o celular e a minha cabeça do mundo, circulei com o carro e fui em lugares que nem sequer sabia que existiam, agora era pensar se eu contaria para Jessica ou não. Chego em casa e hesito em abrir a porta, mas o faço.

- Nossa Ed! - exclamou ela - Já são dez da noite, ligaram da agência, desesperados, esperaram você por horas, eu nem sabia o que dizer, o que aconteceu com o seu celular? Estava quase dando queixa na polícia.

- Desculpe, não foi a minha intenção, acabei perdendo a noção do tempo.

- Tá, mas que você fez nessas horas todas? - Perguntou Jessica mexendo em seu celular.

- Andei pela cidade...

O telefone de Jessica toca, ela imediatamente o atende e sai da sala me deixando sozinho. Que preocupação ela tinha comigo? Nem preciso pensar muito, depois eu falo com ela.

Essa é a droga do século XXI, celular, redes sociais, nesse mundo todos são perfeitos, tem a vida feliz e são amados, ou são fortes com opiniões para tudo, porque todo mundo só tem coragem de se expressar escondido atrás da tela de um tablet. Os humanos são umas bostas, tudo que podia ser melhorado é utilizado para alienar as pessoas e nós como tolos, caímos nessa. Se eu fosse traduzir cada rede social seria:

Instagram: Briga de egos, sou bonito para caramba! Olha os restaurantes que frequento.

Facebook: Como minha vida é feliz e sou bem-sucedido em tudo.

Twitter: Sou muito inteligente e falo tudo que penso.

Snapchat: Filtros bonitinhos e troca de nudes.

Eu detesto as redes sociais, só ensina como eu tenho que me mostrar como sou feliz por fora, e essa merda por dentro. Tudo isso só me faz pensar se só a minha vida é assim, se só eu sou um ator que sorri e acena quando na verdade sou um verdadeiro perdedor, deve ser por isso que consegui esse maldito câncer, eu devo ter atraído isso para mim. Tenho inveja dessas pessoas, famílias lindas, filhos lindos, comemoração da formatura em Yale. É, eu não passo de um cara que só ganha dinheiro pela imagem do meu corpo.

As pessoas não se dão conta como tudo isso nos afasta, nos deixa vazios e completamente sozinhos. Bem-vindos ao futuro, onde a falsa felicidade é ostentada e a depressão banalizada.

Bom, o jeito agora é procurar o que vou enfrentar, pesquisas no Google: "linfoma" diversos resultados. Já que não consigo dormir mesmo, vou ler cada artigo, minhas mãos estão suando, a minha ansiedade vai a mil. Sim, eram os sintomas que ele sentia: Suor noturno, cansaço, mal-estar, perda de apetite, ínguas que provocam inchaço no pescoço. Como eu não percebi isso antes, aliás, acho que nunca conheci alguém próximo que teve câncer.

O celular vibra, uma mensagem do meu pai: "Filho, por favor, me ligue, preciso muito falar com você".

Olhei durante alguns segundos para o celular e o larguei ali em cima da mesa, a tristeza tomou conta de mim e sem saber o que fazer, tomei algumas pílulas para dormir, mas antes disso vou falar de uma vez por todas com a Jessica.

- Eu preciso te falar uma coisa, hoje eu fui à consulta com o Dr. Stone.

- E? Isso é alguma novidade? Você vai quase todos os meses lá. - Diz ela com pouco interesse no que eu dizia.

- Eu fiz alguns exames, estava sentindo um mal-estar, falta de apetite, percebi que emagreci, então achei melhor fazer uma consulta, até porque eu senti o meu pescoço um pouco inchado...

Jessica então parou por um minuto e confusa olhava atentamente para mim, esperando o que tinha para dizer.

- Não é fácil dizer isso... mas parece que estou com câncer... linfoma.

- Câncer? - Perguntou ela assustada - Como assim câncer? É grave?

- Não sei ainda te dizer, eu preciso voltar, fazer outros exames, ver quais são os tratamentos, essas coisas.

- Ed, você é muito novo, nunca teve nada, como você pode estar com câncer?

Ela se levanta do sofá e começa a andar de um lado para o outro.

- Isso não tem nada a ver com a idade, não seja ridícula, você conseguiu completar o ensino médio pelo menos? - A ignorância dela já estava me causando mais irritação ainda.

- Bom, eu não sei o que te dizer, é melhor você procurar ajuda mesmo.

No sofá observo Jessica saindo do cômodo e seguindo para o quarto, então de novo sinto aquela grande tristeza invadindo o meu peito. Às vezes preferia não estar mais aqui, será que isso era um sinal de que preciso acabar logo com tudo isso?

Nothingman - Pearl Jam

"Uma vez dividido

Nada resta para subtrair

Algumas palavras quando faladas

Não podem ser retomadas

Anda na dele

Com pensamentos que ele não consegue evitar

O futuro está aí

Mas no passado ele está atrasado e afundando

Pego a um relâmpago

Amaldiçoou o dia que ele deixou para lá

Homem nada

Homem nada

Não é alguma coisa?

Homem nada"