O dia do meu aniversário chegou e com ele veio junto um sentimento de impotência, eu não me conhecia, não tinha um passado. Pelo que Errol me contava a meu respeito, talvez fosse melhor não me lembrar dele, mas que tipo de homem sobrevive em nossa sociedade sem conhecer o próprio passado.
Eu tinha lido cartas que algumas mulheres me mandaram, as encontrei em uma gaveta no escritório. Memorizei os nomes de todas que pude para tentar evita-las. Era óbvio, no entanto, que eu não poderia questionar Errol a respeito de quem eram as ladies.
Encarei meu reflexo no espelho e entendi o que li em um certo livro dias antes, os espelhos refletem nosso interior, meu reflexo, nada mais era do que uma casca vazia. Engoli seco ao pensamento e caminhei para fora do quarto. Avistei uma criada saindo de um quarto no fim do corredor, a mulher se apressou em fechar a porta e seguir com a limpeza.
Deixando minha curiosidade para mais tarde, caminhei pelo lugar observando a casa bem iluminada. Errol foi um dos primeiros a chegar e o meu amigo me disse vários nomes conforme convidados chegavam. Cumprimentei a todos esquecendo-me da grande maioria dos nomes logo em seguida. Suspirei quando avistei uma mulher entrando, ela tinha o rosto sério e usava um vestido escuro, ela vinha acompanhada de um casal.
— O barão e a baronesa Duncan — Errol disse.
— E quem é a mulher que vem com eles?
Meu amigo não teve tempo de me dizer, pois logo estávamos frente a frente com o casal. Fiz um cumprimento com a cabeça.
— Sr. Hunter, parabéns por seu aniversário — desejou o barão.
— Agradeço por terem vindo — sussurrei sem tirar os olhos da garota que vinha com eles.
— O senhor se lembra de nossa filha Seelie Duncan? — a mulher sussurrou envolvendo a garota ruiva com seus braços.
— É um prazer revê-la, Srta. Duncan — cumprimentei.
A ruiva me olhou com desconfiança mas fez um gesto simples com a cabeça. Meu coração acelerou quando vi-a agir com tamanha indiferença, talvez eu fosse o pior dos tolos, mas quis conhecer melhor aquela jovem.
Após cumprimentar todos os convidados, entrei com Errol no salão e logo meu amigo estava junto a uma jovem que me olhou com desconfiança. Não perdi tempo me perguntando se tive alguma desentendimento com a senhorita ou entendimento, meu amigo provavelmente não saberia me dizer mais a respeito, portanto deixei a situação como estava.
A Srta. Duncan não pareceu surpresa quando me aproximei convidando-a para uma dança.
— Francamente Sr. Hunter, acredito que o senhor não apreciaria uma dança comigo. Decerto há inúmeras jovens ansiosas por um momento ao seu lado, por favor, vá até uma delas e deixe-me em paz — pediu.
— Eu não estou interessado em desfrutar de outra companhia. Sequer precisas falar comigo, apenas acompanhe-me em uma dança — rebati.
Seelie suspirou ao notar que outras pessoas estavam atentas a nossa conversa por fim ela aceitou dançar comigo. Durante os primeiros passos, me perguntei se a jovem passaria todo o tempo em silêncio, mas como lhe disse que poderia fazê-lo, não a interrompi.
— Sua cabeça ficou bem, Sr. Hunter?
A encarei sério, a confusão em meu rosto deveria ser evidente uma vez que a mulher riu de minha reação. Me perguntei se ela esteve na casa quando caí da escada, se poderia ter visto como o acidente aconteceu.
— O que a senhorita sabe sobre isso? — questionei.
Os olhos claros me encararam inquisitivos e eu mantive minha postura de falsa calmaria desesperado para arrancar qualquer informação da dama.
— Devo presumir que o senhor tenha algum problema de memória? Tirou-me para dançar apesar de saberes que eu tenho motivos para evitá-lo. Pergunto-lhe se sua cabeça está bem e me perguntas o que sei a respeito? Bati com o livro em sua cabeça quando o senhor tentou adentrar em um cômodo privado de minha casa e beijar-me contra minha vontade! — retrucou. — Se eu contasse isto ao meu pai, podes ter certeza de que eu não precisaria passar pelo incômodo de lhe dirigir a palavra, pois sequer estaria em sua celebração de aniversário.
— Srta. Duncan...
— Não me chame assim! — exigiu.
O concerto foi finalizado e a mulher se distanciou sem olhar para trás. Segurei Errol pelo braço tirando o homem de perto da acompanhante.
— O que diabos aconteceu entre a Srta. Duncan e eu? — inquiri.
— Eu lhe expliquei antes, Seelie Duncan prefere ser chamada de Seelie Bell, ela é a filha adotiva de Lyel e Ailsa Duncan. Não sei o que fizestes com ela, mas sei que a odeias.
Voltei meus olhos para os da garota que me observava e Errol chamou minha atenção para si.
— Eu estou decidido a conquistá-la — afirmei convicto.
— Como seu amigo devo lhe esclarecer: ela é gentil e fala o que lhe vem a cabeça e você é um cretino que nunca diz o que pensa.
— Exatamente! Somos perfeitos juntos — garanti e ele riu atraindo atenção para nós.
— Vocês são como água e óleo, jamais irão se misturar — falou baixando o tom de voz.
— Tem razão eu sou como óleo — concordei.
— E ela como água — replicou segurando meu ombro para enfatizar o que estava dixendo.
— Não, e ela como brasa — contrapus encarando os cabelos vermelhos dela à distância. Os olhos da mulher eram estranhamente cautelosos.
— Se você insistir nisso a destruição dessa união não afetará só os dois — avisou.
— Me sinto tentado a ver isso queimar.
— Mesmo que você seja consumido?
— Eu me daria inteiro para que ela me consumisse como quisesse — afirmei.
— Não te reconheço. Você não se apega, eu já te avisei que Lyel Duncan não vai te deixar em paz se você continuar com isso. Não cometa esse erro.
Suspirei desviando os olhos para estudar o salão. Nem mesmo Seelie olhava para nós nesse instante.
— Eu não sei mais quem eu sou meu amigo. Estou tentando me encontrar, até o meu nome me é estranho, mas pela primeira vez desde que tudo foi apagado, eu sinto que tenho um motivo para continuar — indiquei Seelie com o queixo.
— Não está indo rápido demais em seu julgamento? — questionou cauteloso.
Encarei a mulher que sorria ao falar com algumas senhoritas. E esbocei um sorriso como se ela fosse contagiante.
— Eu estou sem nada, quero começar a me construir outra vez, mas não tenho peças para fazê-lo.
— Se resolver envolver-se com ela apenas peço que tenhas certeza de jamais deixar que os outros saibam de como é sua vida — Errol disse encarando Lyel Duncan que dançava com a esposa.
— A vida que eu tive — murmurei.
— Você continuará tendo. Não consigo imaginá-lo sem sua vida de antes — comentou.
Eu estudei o salão e me perguntei de novo e de novo como nada daquilo parecia minimamente familiar.
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O Outro Conde
RomanceNa velha Edimburgo do século XVIII a nobreza estava impregnada de segredos e mentiras. Pessoas que viviam de aparências e casamentos arranjados para obter vantagem. Sósias de Edimburgo não estavam ligadas apenas a família Brown, mais ou menos uma ge...