Seelie
Depois da celebração de aniversário do conde, nós voltamos para casa em silêncio, meu pai me perguntou duas vezes o que estava acontecendo e eu lhe disse que tudo estava bem.
Minha mãe falou um pouco sobre a cidade, contou sobre minhas irmãs mais velhas e o meu irmão. Eu me distraí em minha mente conforme atravessávamos a cidade em direção a nossa casa. Uma vez dentro dela, aleguei uma dor de cabeça e caminhei em direção ao meu quarto. Meu irmão e a esposa não foram a festa, pois minha cunhada estava se sentindo indisposta ao fim de sua gravidez.
Subi as escadas lutando contra a vontade de repensar minha conversa com o lorde. Meu coração bradava em meu peito desesperadamente e eu o ignorava, também deixando de lado o sussurro em meus pensamentos que tornava-se mais irritante a cada segundo alegando que eu exagerei na forma como falei com Alec Hunter.
Fechei a porta do quarto atrás de mim e suspirei olhando o ambiente frio e escuro. Quando Lyel e Ailsa Duncan me pegaram no convento, eu era um bebê, tinha poucos dias de vida, logo não me lembrava de nada que pudesse me guiar aos meus progenitores ou tinha lembranças terríveis do orfanato. Eu tive sorte. Eu sabia reconhecer isso, meus pais eram as melhores pessoas que já tive o privilégio de conhecer, mas eu sabia que outros não tinham a mesma sorte.
Deitei-me na cama e cobri os olhos com o braço, deixando meus pensamentos se acalmarem até que eu pudesse me compreender outra vez. Batidas leves a porta fizeram-me sentar e eu permiti que minha mãe entrasse.
— Quer conversar? — questionou.
Ela fechou a porta e caminhou em direção a cama tomando o meu silêncio como um sim. A mulher se sentou e arrumou meus cabelos que teimosamente saiam do penteado.
— Há algumas semanas, o Sr. Hunter invadiu nossa biblioteca e tentou beijar-me, eu acertei a cabeça dele com um livro e fugi de sua companhia. — Ela continuou me estudando sem dizer uma palavra. — Não lhe contei a respeito para que não chegasse aos ouvidos do papai e acabássemos em uma situação complicada.
— E o que lhe aconteceu esta noite? — interrogou e suspirei frustrada.
— Aparentemente o Sr. Hunter é capaz de muito para conseguir se aproximar de mulheres que deseja — sussurrei.
— Não compreendo o que queres dizer — minha mãe disse evidentemente confusa.
— Ele me disse que sofreu um acidente recentemente, bateu a cabeça ao cair das escadas e não se recorda de sua vida antes disso.
Minha mãe colocou as mãos em seus lábios contendo o espanto ao ouvir minhas palavras. Ficamos um instante longo demais em silêncio enquanto minhas palavras pareciam criar raízes em sua mente.
— E o que lhe respondestes?
Repeti minhas palavras para o lorde lembrando a mim mesma que jamais seria capaz de esquecê-las. A mulher a minha frente ficou séria e seu franzir de lábios demonstrava que ela não concordava completamente com a minha atitude.
— O que? — inquiri quando ela nada disse.
— Sabes que jamais discordei de suas opiniões e que jamais lhe diria que estás errada se não pensasse seriamente que sim. Creio, minha filha, que nem mesmo Alec Hunter seria capaz de inventar uma mentira tão extrema.
— Eu não consigo olhar para ele sem pensar que podem haver filhos dele por aí em situações precárias tudo porque Alec Hunter é um canalha. Eu tive sorte por ter você e o papai, contudo estou ciente que nem todos na posição em que estive têm a mesma sorte.
— De fato, podem haver crianças por aí sofrendo por causa dele, mas também pode não haver. Alec Hunter era um canalha conquistador, mas neste instante, até mesmo seu nome soa estranho em seus pensamentos. Creio que Deus esteja dando uma nova chance para ele, uma chance para recomeçar com suas memórias. Esquecer pode ser uma dadiva.
— O esquecimento dele, não apagará toda a dor que causou — retruquei.
— De fato, não apagará, mas você o está julgando pelo que ele foi, não resta nada nele daquele homem. Também acredito que estejas espelhando nele a dor que carrega dentro de si mesma, não sei o que os levou a deixarem você naquele lugar, mas você deve pensar em tudo que tem e não no que poderia ter sido — sussurrou e eu senti as lágrimas rolarem pelas minhas bochechas conforme minha mãe me puxava para um abraço.
Ailsa beijou-me a cabeça e sussurrou que tudo ficaria bem.
— Nós não conhecemos os fantasmas que atormentam os outros, quanto piores os pesadelos que os permeiam, mais fortes são suas armaduras. Veja você por exemplo.
— Eu sei que posso ter aplicado a ele os erros deles, mas não pude evitar — lamentei contendo o choro.
— Sei disso — confirmou —, mas tente pensar um pouco em como ele pode estar se sentindo neste momento, ele precisa de ajuda e está sufocando, sendo arrastado por uma correnteza de incertezas. Não há lugar em uma sociedade como a nossa para pessoas com problemas.
— E se tudo isto for apenas uma mentira?
— Então você se afasta e nunca mais confia nele, mas se for verdade, ele vai precisar de alguém melhor. Alguém que possa ajuda-lo a crescer e abraçar essa segunda chance que está recebendo, os pais dele tiveram uma vida complicada, Alec cresceu sem a educação que seu pai e eu oferecemos a você e aos seus irmãos.
— Obrigada pela luz — murmurei.
— Você tem que entender que as estrelas não precisam da lua minha querida — minha mãe sussurrou as palavras de quando eu era apenas uma criança.
— Eu amo você — falei com cada fragmento do meu ser repetindo aquelas palavras dentro do meu corpo.
— Você era o pedaço que faltava em minha vida — respondeu. — Eu sempre amei você, desde antes de pegá-la em meus braços pala primeira vez e até o dia de minha morte continuarei amando.
— O que eu devo fazer agora?
— O que acha deveria fazer? — indagou olhando-me com paciência.
— Acho que preciso me desculpar com ele — admiti envergonhada.
— Sim, você deve — aconselhou.
— E se ele não aceitar meu pedido de desculpas? — questionei temerosa.
— Então ele estará perdendo uma das melhores coisas que poderiam acontecer em sua vida — ela tocou o meu nariz e ficou de pé pronta para sair do quarto.
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O Outro Conde
RomantizmNa velha Edimburgo do século XVIII a nobreza estava impregnada de segredos e mentiras. Pessoas que viviam de aparências e casamentos arranjados para obter vantagem. Sósias de Edimburgo não estavam ligadas apenas a família Brown, mais ou menos uma ge...