Capítulo 5 - Entendia

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Seelie

Eu não compreendia a mim mesma. Repeti em minha memória a imagem do homem invadindo a biblioteca de minha casa, repeti a cena centenas de vezes na tentativa de recobrar minha sanidade.

O Sr. Alec Hunter é um canalha que jamais fez por merecer um segundo de minha atenção. Eu tinha ouvido a respeito dele dos lábios de muitas jovens, mas não acreditava em tudo que ouvia. Se tinha uma coisa que meu distanciamento social me ensinou foi a não acreditar em tudo que ouço. As pessoas tem o péssimo costume de inventar histórias para afastar concorrentes.

O observando à distância, eu senti que havia algo estranhamente diferente no sujeito. Ele já não se parecia com o ogro que me atacou semanas antes. Olhando em seus olhos por um instante conforme dançávamos, percebi que não havia algo diferente e sim ausente.

Sr. Hunter parecia vazio. Engoli seco ao pensar a respeito daquilo, afastei o pensamento lembrando a mim mesma para não cair em seus truques, afinal ele era conhecido por eles. Sempre uma nova desculpa para conseguir aprisionar mulheres ingênuas.

Alec se aproximou novamente e eu tirei meus olhos de seu rosto antes que este estivesse perto o bastante para notar que eu o estudava. Assim que parou ao meu lado, Alec apanhou uma bebida e eu continuei calada apenas observando os casais que dançavam.

— A senhorita parece não estar muito alegre em estar aqui — comentou tentando iniciar uma conversa cordial.

— Dificilmente sentiria alegria ao ver-me em sua casa. Acredito que ficar em minha casa lendo um bom livro seria infinitamente mais agradável e instrutivo.

— Não há nada em um baile que lhe agrade? Ou devo presumir que comemorar meu aniversário não seja sua maneira favorita de passar o tempo?

— Sr. Hunter, não se sintas especial por despertares alguma emoção em mim. Bailes são todos irrelevantes em minha opinião, as pessoas deveriam achar outras formas para ocupar seu tempo, uma que não envolvesse encontrar pessoas das quais não gostam e sorrir para elas como se fossem as melhores companhias que já tiveram em suas vidas — comentei.

— Alguns diriam que este tipo de reunião é de suma importância para encontrar futuros pretendentes — contrapôs e eu sorri.

— Eu não me interesso por casamentos — retruquei e vislumbrei o choque em seu rosto. — Eu não o compreendo Sr. Hunter. Sei que o senhor adora jogos e quer de todas as formas ter todas as conquistas, mas não tenho atrativos e certamente tenho motivos para estar longe do senhor. Odeio jogos e detesto enrolações, se estás apenas tentando ter mais uma conquista devo alertá-lo, jamais perdi um jogo que joguei e não tenho interesses em sua pessoa. O senhor me afrontou e eu não gostaria de manter contato.

— Eu não me lembro — sussurrou de forma quase inaudível.

Me aproximei mais dele tentando entender o que dizia em meio a música alta e aos risos.

— O que o senhor quer dizer com não se lembra?

— Sofri um acidente há algumas semanas. Caí da escada e bati a cabeça, até mesmo o meu nome me soa estranho aos meus ouvidos. Então, sinto muito se a importunei no passado, peço-lhe que não conte sobre isso a ninguém — falou.

Encarei o homem, a incredulidade assumiu o controle de mim quando percebi que estava sentindo pena do sujeito. Alec Hunter é um jogador, um jogador com anos de experiência, me perguntei quantas moças ingênuas ele seduziu com aquela mesma mentira. Travei o queixo contendo a agonia que minhas próximas palavras me causariam e as pronunciei:

— Por que ter uma festa de aniversário quando não se lembra nem mesmo de seu nome? Isso tudo, é uma grande piada, mas lamento milorde, não sou fã de risadas forçadas e menos ainda de pessoas que fingem ter doenças para conquistar piedade dos outros. Quer piedade? — questionei sem lhe dar tempo para reagir. — Lamento, mas não verás tal coisa em mim. O único sentimento que o senhor poderá ter de minha pessoa é desprezo pela criatura que és.

Engoli em seco e me afastei do homem deixando que minha mente vagas de, um homem como aquele, que apenas desfruta da companhia de mulheres ingênuas poderia ser o meu progenitor, um homem como Alec poderia ter se envolvido com uma jovem qualquer e eu poderia ter sido o fruto dessa união pecaminosa e desprezível, talvez minha progenitora fosse fiel demais aos princípios religiosos para tirar de si uma vida ainda em seu útero, então me abandonaram a própria sorte. Um homem como aquele, jamais teria qualquer sentimento de gentileza vindo de mim.

Como diria Isaac Newton, toda ação causa uma reação. Só Deus poderia saber quantas crianças este homem poderia ter gerado e nem ao menos sabe e quantas crianças inocentes podem ter sido arrancadas dos braços de suas mães e largadas a própria sorte.

Sequei uma lágrima que ameaçou rolar por minha bochecha e vi minha mãe se aproximar de mim, ela sempre sabia quando algo não estava indo bem.

— O que aconteceu? — questionou segurando minha mão.

— Nada... — menti e ela viu a mentira, seus lábios apertaram-se em repreensão.

— Eu não vou contar para o seu pai — sugeriu.

Ela sabia que eu não gostava de incomodar meu pai com pequenos problemas, portanto eu agradeci mentalmente por ela estar prometendo não contar para ele a respeito do que estava me incomodando.

— Podemos falar sobre isso em casa? — pedi e ela assentiu.

Seu olhar estava claro, ela cobraria aquela explicação e não sossegaria até saber o que me aconteceu na festa. Permiti que meus olhos espiassem às minhas costas e vi Alec me encarando, ele parecia estar em conflito, mas eu sabia que com a minha mãe por perto não se aproximaria para contar novas mentiras.

Eu não permitiria que aquele homem se aproximasse, pois olhar para ele, escutar o que as pessoas diziam a seu respeito, destroçava o meu coração, uma parte de mim, a parte que ainda lutava para compreender quem eu fui, quem foram as pessoas que me trouxeram ao mundo se comovia por pensar que ele poderia estar colocando crianças na mesma situação que estive e que nem todas elas teriam a sorte que tive de ir parar em uma família amorosa.

Minha mãe sorriu para mim e eu notei que ela podia perceber do que se tratava a confusão em minha mente, Ailsa Duncan sempre sabia o que se passava em minha mente.

— Conversaremos sobre isso mais tarde — garantiu e eu sorri.

O meu pai se aproximou de nós e me tirou para uma dança, eu aceitei-a lembrando-me enquanto o fazia de como muitas vezes dancei pisando nos pés dele quando ainda era uma menina.

O Outro CondeOnde histórias criam vida. Descubra agora