Errol vasculhou as bebidas na casa e pegou uma delas despejou o conteúdo em dois copos e me entregou um. Eu o observei me perguntando se deveria ou não beber aquele liquido, mas o bebi antes que o homem precisasse me incentivar a fazê-lo. Nós nos sentamos de frente um para o outro na mansão e logo o homem começou a me encarar.
A bebida queimava em minha garganta e eu estudei o rosto do meu amigo tentando desesperadamente me lembrar dele.
— Está se lembrando de algo? — Shaw indagou.
— Nada... — passei as mãos nos cabelos levemente irritado.
Aquele movimento me foi estranho, meus cabelos estavam curtos, mas eu alonguei o movimento até o ombro. Errol também me encarava desconfiado.
— Alguém cortou o meu cabelo enquanto eu dormia — afirmei percebendo que o movimento era provavelmente algo costumeiro.
— Alec... seu cabelo está como sempre esteve.
Engoli seco lutando contra a falta de ar que sentia. Já estava tarde, portanto Errol me disse que precisava ir, o homem me garantiu que voltaria no dia seguinte para me ensinar a ser eu.
— Depois de tudo que me contasses, meu amigo, eu aceitaria ser uma versão um pouco melhor de mim.
— Lembre-se que faltam poucas semanas para o seu aniversário. Tens que estar pronto até lá. O que eu não poder lhe ensinar creio que Russell o fará — explicou.
Aquiesci agradecido. Ao me despedir do homem fiquei sentado com a garrafa de whisky a minha frente. Eu estava perdido, não havia qualquer resquício do que eu fui, apenas continuava vivo graças a algum milagre.
Durante a noite, eu não consegui pregar os olhos, estava completamente vazio, então caminhei pela mansão, sem saber exatamente para onde estava indo, observei as pinturas nos quadros, me perguntando se algum dia tudo aquilo seria novamente familiar.
Eu avistei um quadro onde um homem estava sentado em uma cadeira e um menino estava ao seu lado. Não havia nada mais ali, nem sorriso no rosto do menino. Eu me reconheci pelo meu cabelo, mas não me lembrava de como aquilo acontecera, por mais que tentasse forçar a memória.
Desistindo daquele retrato, avistei um de uma mulher ela tinha a mão sobre a barriga, apesar do vestido, imaginei que ela estivesse grávida, seu rosto estava sorridente e ela encarava a barriga. O cabelo escuro estava preso de forma elegante, as mãos encobertas por luvas.
Eu me perguntei se aquela era a minha mãe.
Ouvi passos lentos pelo corredor e uma velha senhora se aproximava andando lentamente, meu coração saltou quando não a reconheci.
— Boa noite, milorde — ela disse com a voz rouca.
— Boa noite — respondi.
— Está com dificuldade para dormir outra vez? — questionou. — Disseram que o senhor caiu da escada durante a madrugada.
— Sim... Não me lembro de nada antes disso — avisei.
— Santo Deus — ela disse.
Apontei para o retrato.
— Quem é ela? — indaguei.
— Sua mãe, milorde — a velha senhora estava quieta ao olhar do retrato para mim.
Observei o retrato e me perguntei como ela teria partido, a mulher parecia delicada e amorosa no retrato.
— Como ela era? — questionei.
— Ela era uma mulher linda, delicada e gentil. Ela certamente foi para o céu por ter aguentado um homem como o seu pai. Eu estou aqui desde que ele era jovem e posso dizer que em questão de crueldade poucos se comparam ao antigo conde.
Voltei meus olhos a senhora que sorriu triste.
— Ouso dizer que o senhor foi um dos que mais sofreu.
Tornei a olhar o retrato do homem comigo e suspirei esfregando o rosto.
— Pelo que soube ao meu respeito... não sou muito melhor que ele — constatei.
— Não. Milorde, o senhor é muito parecido com sua mãe. Mesmo que cometas algus erros, não sois como vosso pai.
— Errol me disse que logo será meu aniversário — sussurrei.
— Em vinte e sete de agosto — ela disse sorrindo. — Este dia me fez pensar em muitas coisas, eu quase larguei meu emprego aqui por muito tempo, mas quando o senhor nasceu e a senhora ficou doente, eu me permiti continuar aqui a pedido dela. Ela temia deixa-lo sozinho.
Estudei a velha senhora em silêncio. Muitas coisas passavam em minha cabeça e eu me via cada vez mais confuso com tantas informações.
— O senhor se lembra da carta que lhe dei semana passada? Lembra-se do que exatamente sua mãe deixou para o senhor?
A encarei confuso e ela suspirou.
— Tudo foi apagado, milorde?
Aquiesci com pesar e a senhora me prometeu que tentaria encontrar a carta onde quer que eu a tivesse deixado. Agradeci o gesto e ela me pediu licença, pois precisava descansar permiti que a mulher se fosse e tornei a observar os quadros guardando em minha memória as informações do que a mulher me dissera.
O retrato de minha mãe me trouxe uma emoção que não pude explicar e eu suspirei tentando não derramar lágrimas. Voltei ao quarto pouco depois da meia noite e apanhei um livro, apenas para tentar me distrair.
Na manhã seguinte Errol retornara, trazendo consigo alguns lordes que ele garantiu que me conheciam e que poderiam ter informações para mim. Dias depois eu ainda me sentia mais perdido que um animal selvagem jogado em meio a cidade.
Conforme os dias iam passando, eu saía da casa com Errol e ele me apontava algumas mulheres com quem tinha quase certeza que me relacionei. O homem me dizia que não poderia me ajudar com isso, pois eu era reservado quanto aos nomes das moças com quem me envolvia.
Ao menos isso eu tinha em meu favor quando parecia ser apenas um canalha. Os criados organizaram a celebração do meu aniversário. Eu percebi que não tinha tantos motivos para comemorar. Eu provavelmente precisaria conversar com pessoas das quais não me recordava e dançar. Como Errol me disse enquanto me observava numa das inúmeras aulas de dança:
— Você não sabe quais mulheres evitar neste baile. Lhe desejo sorte meu amigo.
As palavras tornaram-se meu inferno nos dias que se seguiram, pois de fato, eu não tinha ideia de como evitar mulheres que provavelmente me odiavam. Ou pior ainda, eu não tinha ideia de como lidar com alguma delas se achassem que eu as tiraria para dançar com segundas intenções.
De uma forma ou de outra, sentia que esta reunião poderia ser um desastre para minha vida futura. Como o advogado me lembrava, eu não poderia deixar que soubessem que eu tinha perdido a memória, isso poderia me deixar vulnerável perante a sociedade, pois eu não tinha esposa ou filhos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Outro Conde
RomanceNa velha Edimburgo do século XVIII a nobreza estava impregnada de segredos e mentiras. Pessoas que viviam de aparências e casamentos arranjados para obter vantagem. Sósias de Edimburgo não estavam ligadas apenas a família Brown, mais ou menos uma ge...