Capítulo 2 - Finner

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    A luz do sol caiu sobre o rosto dela, tentou fechar os olhos com mais força, não adiantou, se encolheu e entrou mais para dentro do saco de dormir que era quase o dobro do seu tamanho, funcionou, afastou o sol. Mas ela achava que era melhor acordar de uma vez, respirou profundamente antes de soltar um grito rápido que apesar de abafado pelo saco de dormir chegou assustar o cachorro que dormia na proa, o fazendo levantar a cabeça e olhar para vários os lados procurando por algo, ela abriu o fecho do saco de dormir e saiu em um pulo.

– Nunca vou me acostumar com isso – disse a voz na mente dela enquanto o cachorro voltava a baixar a cabeça.

– Com o que – perguntou ela ainda meio sonolenta, piscando freneticamente enquanto esfregava as costas da mão nos olhos.

– Com esse seu jeito de acordar – respondeu a voz na cabeça dela.

    Eles continuavam no curso do rio, nenhuma pedra visível no caminho e as margens pareciam ser ainda a mesma floresta do dia anterior, o céu desta vez estava muito mais limpo e com poucas nuvens, as que haviam eram pequenas e meio dispersas, pela posição do sol ela calculou que ele havia nascido a menos de uma hora, talvez uns quarenta minutos ou até menos, e essa suposição foi quase confirmada com a sensação do frio da manhã que ela sentia, frio que ainda era o frio da noite se recusando a ir embora. Ela analisou a direção em que o barco ia e com o condutor fez algumas correções e deixou o barco na rota correta.

    Ela olhou para frente, para onde o rio seguia, vendo uma paisagem calma e aparentemente nenhuma pedra no caminho, deu de ombros e fez uma cara de "tanto faz", foi até o compartimento detrás da jangada colocando a mão e procurando por algo no meio de vários gravetos, itens de pesca e algumas outras tralhas, o cachorro olhava enquanto ela procurava dentro do compartimento, movendo o braço para lá e para cá e o som dos objetos dentro batendo uns contra os outros, ela abriu então um sorriso quando encontrou o que procurava, tirou de lá um velho rádio, era relativamente pesado, mas a garota conseguia segurar sem nenhum incomodo, levou até a proa, ela puxou de trás dele a antena a colocando apontada para cima e começou a mexer nos botões do rádio, um som chiado e meio eletrônico saiu do aparelho e conforme a garota interagia com o aparelho, o som ia mudando e lembrando o som de ondas fortes, até que após alguns segundos o som começou a sair nítido e pode-se perceber uma voz carismática.

– ... apesar de toda essa história de coisas voadoras no Charco o dia está bem até o momento – a voz deu uma risada – e claro vai ficar bem se assim os moradores fizerem, mas chega de papo vocês gostam de música – durante dois segundos o som chiado voltou até a música começar, a garota logo reconheceu o som das cordas do violão seguidas da bateria e da voz feminina.

    Ela se levantou, pegou o condutor e ficou sentada na proa ouvindo o rádio enquanto olhava para o horizonte do rio a espera de algum obstáculo que quebrasse a monotonia. Algum tempo se passou sem nenhuma palavra sair de nenhum dos dois, talvez cerca de uma hora de silêncio que só não era total por causa da melodia naturalmente calma do rio, Noah gostava daquele som da água, ainda mais quando chovia, se sentia tão bem e concentrada com ela que qualquer coisa feita longe da água sempre gerava mais confusão, ela gostava de pensar que tinha uma certa conexão com os rios, mas de certa forma só gostava porque sabia que isso não existia, ou foi ensinada assim. Enquanto ponderava isso pensou sobre outra coisa e logo falou:

– Sabe de uma coisa Carne? Nós até hoje não demos nome ao nosso barco.

– É verdade.

– Vamos pensar em um.

    Um silencio caiu durante um minuto, os dois pensando num bom nome para sua jangada.

– Madeira – disse Noah num grito.

– Acho melhor não, eu já tenho o nome Carne, vamos pensar em algo mais criativo!

– Tábua?

– Tá me zuando né?

– Um pouco...

    O silencio começou novamente durante um minuto, até ser quebrado por Carne.

– Finner!

– O que – disse Noah perdendo a concentração nos nomes que inventava em sua mente, prováveis Barco e Boia.

– Finner é um bom nome.

– O que significa?

– Não sei, mas mulher da música disse essa palavra – a garota ouviu com mais atenção a música que agora possuía uma mistura de teclado com algo que lembrava uma gaita, ambos os instrumentos embalando tudo em uma melodia sem pressa e com a presença de vocais masculinos que apenas cantavam no ritmo "La, lalala, la, lalala".

– É, parece bom – Noah se levantou ficando em pé na proa, com as mãos em punho na cintura estufou o peito e falou – de agora em diante esse será o nome desse barco, Finner, aquele que atravessa as águas.

– Até porque se não atravessasse não seria um barco.

– Isso ai – concordou Noah no automático, após alguns segundos parou para pensar e começou a rir – é verdade, todo barco tem que atravessar as águas – e caiu numa gargalhada demorada.

    Quando parou de rir a menina se sentou novamente na proa, respirou fundo ainda com um pequeno sorriso no rosto, envolveu o cachorro em um abraço o puxando mais para perto de seu corpo, e ambos ficaram ali vendo o tempo passar, vendo as águas calmas levarem o barco enquanto o som dos pássaros nas árvores se juntava a música do rádio, vendo as nuvens no céu que pareciam formas familiares, sentido a brisa friazinha da manhã em seus corpos e sentindo o calor um do outro a afastar...

– Wow wow – disse o locutor no rádio com entusiasmo – sabe o que eu mais gosto do meu trabalho? Não? É colocar essas belas canções todos os dias para que pessoas boas em todo o Charco possam se sentir felizes ouvindo ritmos que embalam suas vidas e ficam e nos seus corações por bastante tempo se não para sempre.

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