Capítulo 01

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2020 tem sido um ano conturbado para toda a população da pequena cidade de Montes, já que um vírus desconhecido rapidamente contaminou milhares de pessoas, os fazendo adotar um novo estilo de vida, sendo obrigatório o uso de máscaras e a higienização constante das mãos.

Aos poucos, os governantes decidiram que não seria necessária a suspensão das aulas, fazendo com que os alunos voltassem a sua rotina escolar. E assim, nossa história se inicia alguns meses após a volta às aulas.

Entediada pela aula massante de filosofia, Alice constantemente olha para o lado de fora da janela ao seu lado. Do segundo andar Alice tinha a visão perfeita do pátio da escola, onde poucos alunos circulavam. Um helicóptero chamou a atenção de Alice. A garota reparou que o helicóptero voava em círculos sobre o pátio do colégio.

- Clara... - Alice chamou a sua melhor amiga. - Olha aquele Helicóptero e vê se ele não está estranho.

A garota se aproximou um pouco da carteira de Alice para ter uma melhor visão da janela. Enquanto as duas observavam e teorizavam sobre o helicóptero, a professora de filosofia as encarava da frente do quadro.

- Alice e Clara, vocês podem prestar atenção na aula? - A professora pergunta chamando a atenção das garotas.

- Desculpa professora, é que tem um helicóptero muito estranho sobrevoando a escola! - Alice explica despertando a curiosidade dos alunos e principalmente a da professora, que se apressou a ir até a janela.

- Não pensei que fosse ser tão rápido... - A professora murmura impulsivamente.

Alguns alunos começaram a se dirigir até a janela, formando um aglomerado de alunos. Sem que eles percebessem, a porta da sala é aberta abruptamente, revelando dois militares armados. Os militares ordenaram que os alunos formassem uma fila e se dirigisse ao auditório sem se dispersar.

Enquanto caminhava, Alice avistou um garoto ser levado a força para a sala da direção, ele se recusava a seguir as ordens dos militares.

Alice seguiu a fila, que era guiada pela professora, até o auditório, onde a maioria dos alunos já esperavam ansiosos. Quando já não cabia mais uma formiga no auditório, a diretora tomou posse do microfone.

- Bom dia a todos. Primeiramente eu queria pedir que vocês se mantenham calmos, todo o procedimento a seguir será única e exclusivamente para o bem de vocês! - A diretora inicia o que vinha à ser uma palestra de uma hora sobre o vírus e como ele estava afetando não só a cidade, como o mundo inteiro.

Ao final da palestra o General tomou a fala e começou a explicar o que realmente estava acontecendo.

- Para a segurança de vocês, a partir de hoje todos os colégios da cidade serão mantidos em quarentena. Ninguém, além das forças militares, pode entrar ou sair. - Só isso já bastou para despertar o desespero nos estudantes. - Nós, com o auxílio dos governantes, disponibilizaremos tudo o que for necessário para que vocês sobrevivam, desde mantimentos até barracas e colchões para vocês dormirem. A situação passou do controle e o melhor a se fazer agora é preservar os jovens. Para facilitar a acomodação de vocês, os dormitórios serão nas próprias salas e assim que os caminhões chegarem serão disponibilizadas as barracas. No mais, os horários de banho e almoço serão informados em breve.

Alice pôde ver todos os alunos entrarem em pânico e iniciarem um enorme burburinho. Ficar trancado no colégio já seria um pesadelo tenebroso, passar por isso junto com todos os alunos e por tempo indefinido era pior ainda. Logo os militares trataram de conter os jovens que os questionavam de maneira agressiva, os organizando em novas fileiras e os guiando para as suas respectivas salas.

- Como será que ficarão os nossos pais? - Clara pergunta a Alice enquanto ambas ajudam a retirar as carteiras da sala de aula.

- Eu espero que eles também estejam protegidos... - Alice comenta tomando cuidado ao descer alguns degraus.

Enquanto levava uma das carteiras até o depósito do colégio, Alice avistou novamente o garoto que estava sendo carregado a força para a sala da direção. Agora ele estava falando alto com um outro garoto, sua expressão era de indignação, provavelmente tinha acabado de saber do isolamento.

Thiago, o garoto, ainda estava incrédulo com o que havia acabado de saber. Se para ele apenas receber ordens de um militar já era o cúmulo, ficar preso no colégio com dezenas deles era inaceitável.

- Eu não posso ficar aqui dentro Diego, você sabe o que esses miseráveis fizeram com o meu irmão! - Thiago esbravejava para o amigo.

- Ninguém pode sair Thiago, você quer acabar preso? - Diego pergunta. - É melhor obedecer a eles, mesmo que isso vá contra ao seu pensamento!

- Eu espero que essa droga termine logo! - Thiago se senta em um dos bancos do pátio, mas logo é repreendido por um dos militares, sendo obrigado a ajudar no esvaziamento das salas.

Thiago desejava sair dali mais do que qualquer aluno daquela escola, ver tantos militares transitando o deixava sufocado. A cada arma que o garoto avistava era uma lembrança do que aconteceu com o seu irmão.

A alguns anos atrás, o irmão mais novo de Thiago havia sido morto em uma operação militar contra o tráfico de drogas. O irmão de Thiago estava sentado em um dos degraus da sacada de sua casa quando um policial atirou em sua direção. O garoto de 15 anos não resistiu muito tempo e faleceu antes da ambulância chegar. Nada foi feito e ninguém sabe quem tirou a vida do garoto, o que deixa Thiago ainda mais enfurecido.

Thiago passou o dia inteiro pensando em como iria sair do colégio, mas acabou desistindo quando a sua barriga começou a falar mais alto do que os seus pensamentos, o obrigando a fazer uma refeição. O horário das refeições tinha sido dividido e o terceiro ano, série de Thiago, havia ficado por último na lista, o que deixou o garoto ainda mais chateado por ser obrigado a esperar mais alguns minutos para finalmente poder saciar a sua fome.

As barracas teriam de ser divididas entre dois alunos, o que causou um pouco de discussão, mas acabou funcionando e ninguém ficou sem ter onde dormir. Thiago se juntou ao seu amigo na barraca, porém não conseguiu ter uma boa noite de sono, voltando a ter pesadelos com a morte de seu irmão, o que não acontecia a algum tempo.

Pela manhã, os alunos foram obrigados a acordarem cedo, mesmo as aulas que as aulas tenham sido suspensas. As barracas foram desmontadas e o café da manhã foi servido aos poucos. Dessa vez a turma de Thiago foi uma das primeiras, já que a ordem era invertida a cada refeição. Thiago pegou o seu café da manhã e se sentou numa mesa junto aos seus poucos amigos. Da mesa onde estava sentado Thiago pode ver uma cena que o deixou indignado, um militar estava dando um sermão em um dos alunos pois havia se atrasado para o café da manhã e perdido a vez da sua turma.

O garoto era Lucas e o militar que reclamava era, ninguém mais, ninguém menos que o seu pai. Lucas ouviu do seu pai o que já estava acostumado, que ele exigia nada menos que a perfeição e que ele, como filho de militar, deveria dar o exemplo numa situação como esta.

Lucas conseguiu pegar seu café da manhã, mas ao invés de se sentar em uma das mesas como de costume, o garoto se dirigiu até o banheiro e se trancou em uma das cabines. Ouvir reclamações de seu pai era algo comum, mas nesse dia Lucas não estava com um bom humor, o que fez o garoto derramar algumas lágrimas.

Alguns minutos dentro da cabine e o garoto foi obrigado a sair, pois um militar exigia que ele abrisse a porta. Lucas inventou que estava passando mal e se dirigiu até a cantina, deixando a bandeja e se dirigindo até a sala de aula, onde se sentou triste e solitário, não sabia se aguentaria ficar naquele lugar com a presença da pior versão do seu pai.

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