À ativa

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Finjo que estou dormindo para as enfermeiras me deixarem sozinha. Ao saírem, pego a pasta com todos os meus artigos e anotações que Érica encontrou e começo a folhear. É incrível, a sensação é de que eu escrevi isso ontem. Lembro de cada momento ao escrever. Lembro de usar a máquina datilografia e derramar café em suas teclas, isso explica a mancha de tinta na folha em que está em minhas mãos. Lembro dos meus dedos com calo por passar a noite escrevendo. Não precisei de toxina alucinógena desta vez. Estar cara a cara com essee papéis me faz reviver o passado.
  Leio com calma cada parágrafo, rio de uns erros ortográficos que não corrigi por preguiça e vontade de continuar a colocar meus pensamentos no papel. Até que leio uma linha que não me lembrava, bom, até agora. " Descobri que é necessária a Hipóxia cerebral para adentrar o buraco Temporal. Devido à isso, irei eu mesma diminuir a quantidade de oxigênio do meu organismo, mesmo sabendo das possíveis sequelas."
  Eu estava maluca? Eu, como neurocientista sabia os riscos da hopóxia, ainda mais sabendo que sofria muito de crises de ansiedade. Mais adiante, li que após o lançamento do Apollo 11 para a lua, decidi usar uma sonda espacial para enviar um cobaia e comprovar minha teoria. Pelo visto, enviei um rato, o qual se chamava de Olaf. Por esse animal possuir o sistema nervoso e respiratório parecido com o humano, pude concluir que foi daí que surgiu a ideia de diminuir o oxigênio do corpo. Aparentemente, um corpo em condições normais não sobrevive dentro desse buraco.
  Não li todas as anotações pois Érica chegou de surpresa, me fazendo desviar automaticamente os olhos dos papéis e olhá-la.
 
  - Vim dar uma olhada na minha paciente número um. Como você está se sentindo? - Eu precisava perguntar a ela uma coisa mas não tinha coragem.
  - Vou ter que avaliar mais uma vez sua retina e ler seus códigos cerebrais para ver se está tudo bem com sua mente e lembranças. Tudo bem?

  Não deixei que ela apontasse a lanterna dos meus olhos outra vez, precisava esclarecer uma dúvida.

  -Erica, seja sincera comigo. Por que está me estudando? Por que sou uma peça fundamental para o Dr. Nelson? E não diga que está estudando apenas o tanto de gás criogênico no meu organismo que eu não acredito. É sobre o precedimento de redução de oxigênio, não é?

  Uma pausa desconfortável tomou aquela sala completamente branca. Senti que ela não queria mentir pra mim e pude saber a verdade sem precisar ouví-la. Ela graciosamente colocou uma mecha ruiva atrás das orelhas, guardou as duas mãos no bolso do jaleco, respirou fundo e piscou os olhos, os lindos olhos verdes.

  - Já está na hora de abrir o jogo com você, mesmo que isso faça eu te perder. - Eu sou acostumada com traições, mas, minhas mãos tremem ao ouvir essa frase sair da boca dela.
  - Você embarcou na sua jornada espacial no dia do seu aniversário de 25 anos, em 1970, bem no auge da Guerra Fria, queria provar que os EUA não iria se dar bem. De acordo com suas anotações pessoais, ao alterar a quantidade de oxigênio do seu corpo, você usou uma substância que retardaria os hormônios, impedindo de envelhecer, menstruar, entre outras coisas. Mas você não escreveu que substância usou.
 
   Eu já tinha entendido tudo. Mas deixei ela terminar de falar. Gosto da voz dela.

  - Ao partir, seu marido exigiu saber tudo sobre sua viagem, exigiu que fosse entregue todas as suas pesquisas e, por direito, ele conseguiu. Porém a Roscosmos não entregou tudo, apenas o necessário para que ele entrasse na próxima nave espacial e fosse te procurar. E por um momento, a tensão entre a URSS e EUA parou, as notícias nos jornais eram voltadas ao casal espacial. "O bioquímico da NASA deixou tudo e foi em busca do seu amor no universo".  - Ela fez uma pausa, imagino que se sinta desconfortável em dizer que eu era o amor do Miguel, já que ela sabia que não eramos mais casados.

   - Porém ele nunca mais foi visto. Você, no entanto, apareceu dentro de uma capsula espacial que flutuava no espaço 40 anos depois. Em 2010. De acordo com seus registros isso era impossível, afinal não havia nenhuma cabine criogênica na nave que você usou. Desde que você apareceu, a nossa Agencia Espacial tem testado em cobaias o mesmo que você fez e tentado concluir a investigação que você começou. Mas foi tudo falho. Vários biomédicos, especialistas, químicos e bioquímicos te estudaram durante esses 45 anos em que esteve dormindo, e até agora, nada. Até que você acordou. E até que eu cheguei.
  
  Eu não posso julgá-la por cumprir seu trabalho, mas não quero que outra pessoa termine o que comecei. Tenho o suficiente para concluir os meus testes. Tenho minhas anotações, minha memória, uma amiga e um laboratório que acredito que tenha tecnologias suficientemente avançadas. Katrina Luz está de volta, e não irei descansar até descobrir o que tem naquele buraco!

 

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