Como em todas as noites, os empregados encontravam-se em volta da mesa da cozinha à realizarem a última refeição do dia que, invariavelmente, era sopa. Para Sebastian, sempre muito mais caldo do que legumes. Para as duas funcionárias tudo, inclusive pão.
Margot, como de costume, reforçava o prato do irmão com mais caldo quente, quando foi surpreendida por Dara.
— O que foi feito do jardineiro dessa casa? — a pergunta, assim de supetão, assustou a outra de tal maneira que esta acabou entornando a concha cheia sobre o peito do próprio irmão.
Na ausência da fala, o pobre Sebastian urrou de dor, enquanto de um salto afastou-se da mesa. A irmã foi em seu socorro. Dara também prontificou-se à ajudar, mas teve sua boa intenção recusada.
— Nem aproxime-se! A culpa foi sua! Está vendo o que fez?! — acusou Margot, implacável.
— Desculpe, eu não queria... Eu só queria saber...
— É esse o problema: você pergunta demais, quer saber de tudo.
— Eu posso ajudar?
— Não, não pode. — a mais velha evitou a aproximação da colega, com a mão espalmada no ar. — Deixe que do meu irmão cuido eu.
Enquanto via Margot afastar-se levando Sebastian consigo, Dara percebeu, no semblante do mordomo, algo a mais do que apenas dor. A possível queimadura com o caldo quente provavelmente fora amenizada pelas camadas de roupas — o elegante e inseparável trio de terno, colete e camisa. Nos olhos dele, contudo, havia pavor.
******
Na manhã seguinte, assim que deparou-se com Margot, Dara quis saber notícias de Sebastian. De modo frio, foi informada que ele estava bem.— Posso vê-lo? Gostaria de me desculpar pessoalmente.
— Terá tempo para fazer isso depois. Agora ele está muito ocupado e você também terá que se ocupar.
— Engraçado... O Sebastian sempre está muito ocupado nessa hora da manhã...
O olhar intimidador que a ruiva recebeu da cozinheira após essa observação foi o suficiente para que não continuasse com suas indagações. Ficou em silêncio, mas apenas por poucos instantes.
— Só perguntei aquilo ontem à noite porque gosto de plantas. Se o jardim fosse cuidado, seria tão bonito! Até tiraria um pouco dessa áurea de mal assombrada que tem essa casa. Começando agora daria tempo de florescer daqui para a próxima primavera. O que acha? Acha que os patrões me dariam permissão para cuidar do jardim?
— Pergunte a eles. — foi tudo o que lhe respondeu, secamente, Margot.
*****
Se Margot duvidava da ousadia de Dara, surpreendeu-se, porque a moça não se fez de rogada. Ao ouvir os risos dos patrões que desciam as escadas, enquanto espanava a fina camada de poeira dos móveis, a jovem voltou-se para o casal, curvando-se em sinal de respeito.— Senhor e senhora Winks...
— Sim?... — Ágnes olhou a criada da cabeça aos pés, com seu ar arrogante que a empregada não pôde ver, por estar com o rosto voltado para baixo. Nesse mesmo instante, ao seu lado, o esposo fazia uma expressão de impaciência, ao conferir as horas em seu relógio de bolso.
— Gostaria de fazer uma pergunta... — Dara se pronunciou novamente, erguendo o rosto.
— Faça... — respondeu o patrão, passando rente à funcionária e posicionando-se às suas costas — ... Mas saiba que a faz por sua conta e risco... — completou com um quê de brincadeira nada divertida, fazendo com que Dara sentisse um arrepio percorrendo-lhe por toda a extensão da espinha.
Ágnes notou o medo nos grandes olhos azuis da moça, e repreendeu o marido, inclusive com o olhar.
— Edgar...? Ela não está acostumada com o seu humor sarcástico. Diga, querida, o que quer saber?
Ágnes podia ver seus próprios olhos refletidos na lâmina do punhal que seu marido erguia na destra, ao mesmo tempo em que aguardava a pergunta que a empregada faria.
— É que estive pensando...
— Fale. — com seu sorriso de pérolas, a patroa tentava manter a atenção dela para si.
— Será que me permitiriam cuidar do jardim?
— Oh! É só isso? — Ágnes não conseguiu esconder o alívio. Já Edgar voltou a esconder, não sem uma pinta de contrariedade, o punhal no bolso interno do seu novo casaco. — Contanto que não interfira nos seus afazeres já estabelecidos, por mim, tudo bem. Não me oponho. E você, querido?
— Também não. Se está bom para você, está bom para mim. Agora vamos, querida. Vamos para o nosso passeio de barco. — concluiu, oferecendo o braço para a esposa, que aceitou o gesto de bom grado.
Os Winks, enfim, se deram por satisfeitos e, em seguida, partiram para o lago particular nos fundos de sua casa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Fantasma de Lockwood (COMPLETO)
FantasíaQuando a falante Dara; uma jovem ruiva e de expressivos olhos azuis; chega à mansão dos Winks, jamais poderia imaginar quanto mistério havia por trás da imponente e sombria propriedade na qual ela fora contratada para preencher a vaga de arrumadeira...