Capítulo 13

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Como em todas as noites, os empregados encontravam-se em volta da mesa da cozinha à realizarem a última refeição do dia que, invariavelmente, era sopa. Para Sebastian, sempre muito mais caldo do que legumes. Para as duas funcionárias tudo, inclusive pão.

Margot, como de costume, reforçava o prato do irmão com mais caldo quente, quando foi surpreendida por Dara.

— O que foi feito do jardineiro dessa casa? — a pergunta, assim de supetão, assustou a outra de tal maneira que esta acabou entornando a concha cheia sobre o peito do próprio irmão.

Na ausência da fala, o pobre Sebastian urrou de dor, enquanto de um salto afastou-se da mesa. A irmã foi em seu socorro. Dara também prontificou-se à ajudar, mas teve sua boa intenção recusada.

— Nem aproxime-se! A culpa foi sua! Está vendo o que fez?! — acusou Margot, implacável.

— Desculpe, eu não queria... Eu só queria saber...

— É esse o problema: você pergunta demais, quer saber de tudo.

— Eu posso ajudar?

— Não, não pode. — a mais velha evitou a aproximação da colega, com a mão espalmada no ar. — Deixe que do meu irmão cuido eu.

Enquanto via Margot afastar-se levando Sebastian consigo, Dara percebeu, no semblante do mordomo, algo a mais do que apenas dor. A possível queimadura com o caldo quente provavelmente fora amenizada pelas camadas de roupas — o elegante e inseparável trio de terno, colete e camisa. Nos olhos dele, contudo, havia pavor.

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Na manhã seguinte, assim que deparou-se com Margot, Dara quis saber notícias de Sebastian. De modo frio, foi informada que ele estava bem.

— Posso vê-lo? Gostaria de me desculpar pessoalmente.

— Terá tempo para fazer isso depois. Agora ele está muito ocupado e você também terá que se ocupar.

— Engraçado... O Sebastian sempre está muito ocupado nessa hora da manhã...

O olhar intimidador que a ruiva recebeu da cozinheira após essa observação foi o suficiente para que não continuasse com suas indagações. Ficou em silêncio, mas apenas por poucos instantes.

— Só perguntei aquilo ontem à noite porque gosto de plantas. Se o jardim fosse cuidado, seria tão bonito! Até tiraria um pouco dessa áurea de mal assombrada que tem essa casa. Começando agora daria tempo de florescer daqui para a próxima primavera. O que acha? Acha que os patrões me dariam permissão para cuidar do jardim?

— Pergunte a eles. — foi tudo o que lhe respondeu, secamente, Margot.

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Se Margot duvidava da ousadia de Dara, surpreendeu-se, porque a moça não se fez de rogada. Ao ouvir os risos dos patrões que desciam as escadas, enquanto espanava a fina camada de poeira dos móveis, a jovem voltou-se para o casal, curvando-se em sinal de respeito.

— Senhor e senhora Winks...

— Sim?... — Ágnes olhou a criada da cabeça aos pés, com seu ar arrogante que a empregada não pôde ver, por estar com o rosto voltado para baixo. Nesse mesmo instante, ao seu lado, o esposo fazia uma expressão de impaciência, ao conferir as horas em seu relógio de bolso.

— Gostaria de fazer uma pergunta... — Dara se pronunciou novamente, erguendo o rosto.

— Faça... — respondeu o patrão, passando rente à funcionária e posicionando-se às suas costas — ... Mas saiba que a faz por sua conta e risco... — completou com um quê de brincadeira nada divertida, fazendo com que Dara sentisse um arrepio percorrendo-lhe por toda a extensão da espinha.

Ágnes notou o medo nos grandes olhos azuis da moça, e repreendeu o marido, inclusive com o olhar.

— Edgar...? Ela não está acostumada com o seu humor sarcástico. Diga, querida, o que quer saber?

Ágnes podia ver seus próprios olhos refletidos na lâmina do punhal que seu marido erguia na destra, ao mesmo tempo em que aguardava a pergunta que a empregada faria.

— É que estive pensando...

— Fale. — com seu sorriso de pérolas, a patroa tentava manter a atenção dela para si.

— Será que me permitiriam cuidar do jardim?

— Oh! É só isso? — Ágnes não conseguiu esconder o alívio. Já Edgar voltou a esconder, não sem uma pinta de contrariedade, o punhal no bolso interno do seu novo casaco. — Contanto que não interfira nos seus afazeres já estabelecidos, por mim, tudo bem. Não me oponho. E você, querido?

— Também não. Se está bom para você, está bom para mim. Agora vamos, querida. Vamos para o nosso passeio de barco. — concluiu, oferecendo o braço para a esposa, que aceitou o gesto de bom grado.

Os Winks, enfim, se deram por satisfeitos e, em seguida, partiram para o lago particular nos fundos de sua casa.

O Fantasma de Lockwood (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora