Capítulo 22

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Chegando ao quarto de Dara e certificando-se de trancar a porta para evitar interferências externas, Margot iniciou a sua reveladora narrativa:

— A mansão dos Winks nem sempre foi sinistra ou tida como assombrada. Havia um tempo em que o jardim era florido e um casal lindo vivia arrulhando tal qual dois pombinhos apaixonados, para lá e para cá: Edgar e Agnes, o casal Winks...

— O casal Winks continua lindo e arrulhando por todos os cantos; e o jardim, em breve, voltará a florescer. — Dara interrompeu o relato da colega, demonstrando impaciência. Entretanto, Margot corrigiu-a.

— Estou falando do verdadeiro casal Winks. Apenas ouça. Como ia dizendo, eles pareciam feitos um para o outro, até que... Um "acidente", um tombo a cavalo mudou tudo. O patrão ficou muito mal e nunca mais foi o mesmo. Ele não pôde mais andar, ficou preso a uma cama... A patroa, a princípio, parecia preocupar-se. Mas com o passar do tempo, a ausência de melhoras acabou frustrando-a. Na época, havia um jovem jardineiro que, aos poucos, foi suprindo as necessidades dela. O patrão ficou desconfiado, até que teve a certeza... Desmascarado, o casal de amantes decidiu ir embora, chegaram até a fazer as malas, mas apesar do absurdo da situação e ainda perdidamente apaixonado pela esposa, o patrão Edgar deixou os próprios brios de lado e pediu; praticamente implorou; para que ela ficasse. Por não poder viver sem ela, suportaria até que a mesma mantivesse o amante sob o mesmo teto que ele. Era uma situação muito embaraçosa! Apesar de casados, a dona Agnes deixava de dormir no quarto junto ao marido para ir ao quarto do amante que, com o passar do tempo, passou a fazer exigências cada vez mais absurdas. Sua posição de amantes não o intimidava, muito pelo contrário. Logo ele foi demonstrando grande arrogância. Exigiu o direito de ocupar o quarto principal, o que fez com que o patrão fosse desalojado para um dos quartos de hóspedes. Mas essa fase durou pouco porque, não contente com tamanho disparate, ele exigiu que o esposo legítimo e dono desta casa fosse isolado na torre e, a exemplo de todas as suas vontades anteriores, assim foi feito.

Chocada diante daquele relato, Dara mal conseguia expressar-se:

— Quer dizer que...

— Sim. — Margot adiantou-se à ruiva — O ocupante da torre é o verdadeiro dono de toda essa propriedade e não tem nada de louco, apesar de todo o sofrimento que vem passando desde aquele fatídico acidente... De lá pra cá, de tanta dor, seus olhos perderam a doçura do mel que outrora era percebida, tornando-se profudamente verdes de tristeza, como o mais amargo fel. Ao menos era nesse tom que os olhos dele estavam da última vez que o ví.

— Espere um pouco: os olhos que ví na torre não eram nem mel, nem verdes! Os que fitei era um par de olhos amarelos como nunca havia visto antes.

— Ah, sim! Os olhos âmbar do patrão tem essa peculiaridade. Mel de alegria, verde de tristeza e amarelo de ira.

— Então, até agora, só o ví na ira...

— Provavelmente. Também, motivos não lhe faltam, não é?

— De fato. Que história triste, a dele. Triste e revoltante! — esmurrando o colchão da cama onde ambas encontravam-se sentadas. — E esse primo "James" nem existe, foi só pra me despistar, não foi?

— Exatamente. James até existe, mas não é o primo da patroa, e sim o nome do jardineiro que tornou-se amante.

— Meu Deus, mas que sordidez! — Dara ergueu-se, indignada, passando a andar de um lado para o outro — Eu me pergunto: como você conseguiu manter-se calada sabendo de tudo isso? Não dá. Simplesmente, não dá.

— É difícil, eu reconheço, mas... — Margot calou-se de súbito, visivelmente emocionada. Dara ajoelhou-se juntos às pernas desta, nesse instante.

— "Mas" o quê? O que mais tem nessa história sórdida?

Após um suspiro profundo, a mulher continuou:

— É que não é tão fácil assim...

— Bom, já deu pra notar que não é mesmo, mas já que chegamos até aqui, vamos até o fim. Eu tenho que saber.

— Está bem... Sabe a arrumadeira que antecedeu você? Teve o coração empalado por um punhal pelo próprio James. — A expressão de horror no rosto de Dara era evidente, mas mesmo assim fez menção para que Margot prosseguisse — E antes disso, quem ameaçou denunciar tudo teve a língua cortada com a tesoura de jardinagem, pelo mesmo monstro... — desbafou a cozinheira, caindo ainda mais copiosamente no choro.

Dara compreendeu o recado nas entrelinhas:

— Sebastian?!... Por isso sempre mais o caldo da sopa pra ele... A ausência da língua dificulta a sua alimentação... Oh, Margot! Eu sinto muito... — a jovem lamentou, abraçando a amiga — Esse "casal" é monstruoso! Eles têm que pagar. Eles vão pagar! Pobre Edgar, pobre Sebastian... Por isso que certa vez, no jardim, quando pedi que me ajudasse trazendo-me a tesoura, ele se recusou terminantemente. Agora entendo o pavor que ví em seus olhos... Você devia tê-los denunciado! Eles já foram longe demais, alguém tem que fazê-los parar.

— Se não o fiz, é porque é muito perigoso, menina. Vivemos sob ameaça nesta casa. Eles já provaram do que são capazes. Não estão para brincadeira...

— Pois eu é que não vou ficar aqui esperando para ser morta ou ter a língua cortada. Eu não nascí pra passar por isso.

— E o que pretende fazer agora que já sabe de tudo? — Margot a indagou, temerosa.

— As minhas malas. As farei hoje, agora mesmo. Parto amanhã.

O Fantasma de Lockwood (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora