Dessa vez, seguindo o conselho de Margot, Dara subiu a escada até a torre rapidamente e com o intuito de ser breve. No entanto, justo dessa vez, o morador do local demorou à dar sinal de vida. A ruiva já estava quase desistindo quando, ao ouvir o som característico da portinhola sendo aberta, ela voltou-se de imediato, sentando-se junto à porta para ficar a uma altura mais compatível com os olhos amarelos que a fitavam, implacáveis:
— Ora, se não é a intrusa! Quanto tempo! Pensei que não viria mais...
— Eu também pensei. Assim como pensei que não abriria justo dessa vez.
— Por que diz "justo dessa vez"?
— Porque é a última. Estou indo embora, mas precisava vê-lo antes.
— Indo embora?... — pêgo de surpresa, Edgar pareceu momentaneamente abalado, mas logo se recompôs — Bem que ontem a avistei à conversar com um tipo que trajava boina e suspensório, próximo ao portão.
— Philip, o nome dele... Mas espera aí! Quer dizer que estava nos observando aqui de cima?
— Não seja tão pretenciosa. Apenas ví rapidamente. Não fiquei "observando" como diz. Eu tenho mais o que fazer!
— Certamente. Só o que me deixou surpresa foi que tenha notado o suspensório vermelho que ele usava.
— Não. Vermelha era a boina, o suspensório era preto.
— Exatamente! Não é que era isso mesmo?! E olha que não estava nem observando... — Dara ironizou, deleitando-se com sua própria perspicácia.
— Se veio apenas para me ver, já o fez. Não tenho tempo para brincadeiras. — irritado, ele chegou a ameaçar fechar a portinhola.
— Não seja tão pretencioso, Sr. Winks — o atrevimento dela ao responder-lhe à altura o deteve, o que deu à ela a chance de prosseguir — Sim, eu já não duvido. Mais do que isso: sei que é o verdadeiro senhor Winks, dono de toda essa propriedade. Sei do que aconteceu e sinto muito. Do que houve com Sebastian, do falso casal Winks... E é justamente por saber de tudo que eu não posso mais continuar aqui. Eu não posso compactuar com tantos absurdos, com tantas injustiças!
— Então era por isso que não aparecia... Decerto estava muito ocupada à acertar os detalhes da fuga com o talzinho de suspensório. Só não entendo o porquê de dar-se ao trabalho de vir até aqui para avisar-me do que descobriu, se tão pouco importa, já que vai mesmo aventurar-se com aquele tipo.
— Não é nada disso! Não tente adivinhar: o senhor não é bom nisso. Eu não vou partir com Philip. Partirei sozinha, do mesmo modo que cheguei. O que tenho para avisar é sobre algo muito mais importante.
"O que pode ser mais importante que a sua partida...?" — Edgar pensou, ainda desconcertado pela mancada cometida à pouco, mas não teve coragem de verbalizar tal pensamento. Aproveitando-se de seu silêncio, Dara continuou:
— Eles virão à caça do "demônio da torre", prontos para atacá-lo. Você corre perigo por minha culpa.
— Que história é essa de "demônio"? Eu sabia do "fantasma"... E por que você tem culpa? De quê?
— Porque, como sempre, eu acabei falando demais. O Philip estava me pressionando para que eu falasse mais sobre o fantasma da torre, e eu acabei dizendo que não havia fantasma nenhum. Que tratava-se de um homem, apenas.
— Certo... — analisou Edgar, coçando o queixo — Ainda não entendo como chegamos a essa história de "demônio".
— Acontece que ele se sentiu enganado, ludibriado, e resolveu vingar-se inventando essa história de "demônio na torre". Ele mesmo ficou de incitar todo o povoado a vir aqui esta noite. Segundo me disse, as pessoas desse lugar temem muito mais fantasmas, que nem existem, do que o próprio demônio! Veja só, que povo estranho!
— Então, pelo que me diz, ocorrerá uma espécie de "exorcismo"... Com direito a padre e tudo? — o olhar enigmático fazia conjunto com seu sorriso de canto de boca.
— Não existe graça nisso, Sr. Winks! Só vim avisá-lo porque sei que corre perigo. Parece que não entende! — Dara ergueu-se, batendo as mãos na saia do vestido para desamarrotá-lo — Bom, agora devo partir. Espero que faça bom proveito das informações que lhe repassei.
Achegando-se ainda mais junto à porta, os olhos multicoloridos de Edgar pareciam querer saltar para o lado de fora, onde Dara encontrava-se, fitando-a, incrédulos:
— Isso de que vai embora, é mesmo sério?
— Hum-hum. — Dara afirmou, inclusive com a cabeça — Tanto é que já estou indo. — tensa, desviou os olhos para o pé da escada. — Adeus, senhor Winks... — dando as costas, ela iniciou sua descida.
— É uma pena que vá perder o melhor da festa. Sabe que achei até bem interessante a ideia de ter platéia... Testemunharão o meu retorno! Sebastian já providenciou o meu traje de gala para a ocasião. Hoje eu deixo essa torre, e em grande estilo, ou não me chamo Edgar Thomas Winks!
Enquanto ele encerrava o seu breve discurso, ela repetiu o "adeus" mais uma vez, descendo apressadamente os degraus sem olhar para trás, fugindo; inclusive; da confusão dos seus próprios sentimentos naquele momento.
Ouvindoas batidas descompassadas do próprio coração, ela não pôde ouvir o "adeus"lamentoso dele, nem ver que; ao fechar a portinhola; Edgar tinha os olhos mais verdes que a própria jade.
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O Fantasma de Lockwood (COMPLETO)
FantasyQuando a falante Dara; uma jovem ruiva e de expressivos olhos azuis; chega à mansão dos Winks, jamais poderia imaginar quanto mistério havia por trás da imponente e sombria propriedade na qual ela fora contratada para preencher a vaga de arrumadeira...