Fosse por excesso de alegria, por pura ansiedade ou tristeza ou tristeza profunda pela saudade antecipada, o fato é que a noite fora mal dormida para todos na mansão dos Winks. Independente de tudo isso, o dia da partida nasceu na forma de uma manhã cinza e fria, típica de inverno.
Edgar descera logo cedo, mas não para o café. Optou por refugiar-se em seu escritório, recusando-se a fazer companhia à mesa para os seus próprios hóspedes. Uma situação um tanto quanto constrangedora.
Pela segunda vez naquela manhã Margot adentrava o cômodo em que seu patrão estava sem que ele escutasse suas batidas anteriores à porta. A cozinheira torcia para que, dessa vez, ele ouvisse pelo menos os seus conselhos:
— Senhor Winks, vim avisá-lo que eles já terminaram a refeição e estão realmente de partida. Dara, inclusive, já se despediu de mim e do meu irmão.
De costas para a empregada e de frente para a janela de vitral que dava para o jardim, Edgar não moveu-se um centímetro da cadeira que ocupava, limitando-se à proferir uma pergunta sem relevância:
— Acha que conseguiu convencê-los de minha indisposição?
— Creio que não. Eles são todos muito inteligentes, devem ter percebido o meu desconforto ao mentir. Pior: devem estar achando que não passa de uma má vontade do senhor.
— Não, você sabe muito bem que não é isso, e nem precisou mentir exatamente... Eu não sou o único no mundo a não gostar de despedidas.
— Sabemos muito bem que não se trata apenas disso, não é mesmo, senhor Winks?
A inesperada ousadia da sempre tão contida funcionária fez com que o patrão se voltasse para ela pela primeira vez:
— O que está querendo insinuar, Margot?
— O senhor vai me perdoar, senhor Winks, mas até então eu achava que o senhor a amava.
— E não acha mais?
— Para deixar que ela parta assim, não.
— Aí é que você se engana: o amor muitas vezes exige sacrifícios. É justamente por amá-la demais que eu devo deixá-la partir, para que, ao menos ela, possa ser feliz. — Voltando-se novamente para o vitral multicolorido da janela, para tentar esconder de Margot a emoção que lhe tomava enquanto prosseguia:
— Eu fiz de tudo o que estava ao meu alcance para que ela fosse feliz. Contratei o melhor detetive para poder dar à Dara o presente que ela mais queria: saber do seu passado, da própria origem, encontrar algum parente vivo... Eu não posso agora estragar tudo, se eu já sabia que seria assim. Dara é jovem e vivaz, como poderia prendê-la a mim? Olhe todo esse aço nas minhas pernas! — esmurrando parte da engrenagem na altura de sua coxa direita — Não posso mantê-la nesse lugar esquecido pelo resto do mundo! Creia-me, será melhor assim e, com o tempo, eu ficarei bem.
Extenuado pelo desabafo, viu a empregada aproximar-se e pôr-se à afrouxar os ferrolhos da janela, decidida:
— O senhor é quem sabe se vai querer continuar se iludindo com um colorido falso ou encarar que essa é a manhã fria e cinza que pode ficar ainda mais triste quando dessa cadeira o senhor vir a carruagem partir, levando Dara, talvez para nunca mais voltar. Se perdoará sabendo que não fez nada para evitar? — a cozinheira escancarou de vez a janela, e uma lufada gélida adentrou o ambiente ao mesmo tempo que esta deixava-o.
Margot havia dado o seu recado. O desfecho cabia a Edgar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Fantasma de Lockwood (COMPLETO)
FantasyQuando a falante Dara; uma jovem ruiva e de expressivos olhos azuis; chega à mansão dos Winks, jamais poderia imaginar quanto mistério havia por trás da imponente e sombria propriedade na qual ela fora contratada para preencher a vaga de arrumadeira...