Uma explosão de faíscas

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Lá no meu bairro, a energia era privada. Tinha uma cabine elétrica que fornecia energia pra todo bairro. Essa cabine, por mais estranho que fosse, estava bem próxima da casa do Evaristo. O Jaki dizia que aquilo era cambota, que um dia ia dar errado. E não é que era mesmo verdade.

Foi em uma noite bem calma de cacimbo.  Por causa disso, a maior parte das pessoas estava em casa. Na minha casa já estávamos a terminar de jantar. Tudo estava muito tranquilo. Nunca é bom quando tudo está muito tranquilo. Depois do jantar, minha mãe e minhas irmãs mais velhas foram assistir novela.
Naquele tempo a que estava a bater era uma tal de La Usurpadora. Minhas irmãs cassulas acabaram por adormecer. Eu coloquei um casaco, umas meias, a chinela, e fui ficar mais um pouco na rua. As noites de cacimbo tem um cheiro bom e suave, que acalma o coração.  Ficamos na rua a contar estórias. O TCB não era muito bom de estórias, ele sempre dizia a mesma coisa quando lhe pediam pra contar uma:

Um gajo subiu no pau.
Caiu do pau até chão
Bum! Morreu

E depois começava a rir sozinho. Nós as vezes riamos também. Nem sabíamos porquê mas riamos. A Yurca, o Pedrinho e o Evaristo é que eram bons de estórias. O Jaki só contava umas estórias que assustavam bue a malta, ou uma coisa que aconteceu, mas ele ficava a inventar lá outras partes dele.

Enquanto descontraiamos alí, ouvimos um estrondo, que mais parecia o rugido de um leão. Todos arregalamos os olhos de medo. Ouvimos uma segunda vez, mas com mais intensidade e depois a energia foi. Nós ficamos com medo.

Começamos a tremer dos pés a cabeça. De repente, gritos. Só ouvimos os gritos, abrimos. Cheguei até o meu portão e todos da casa do Evaristo estavam a vir a correr. Ali é que eu fiquei mais assustado.

— É o quê então, Evaristo?

— Corre, uei, corre! É na cabine de Luz, lá tá dispuludir tudo!

Ali mesmo é que fiquei mais assustado. No mesmo instante em que ele me diz isso, a cabine explode, e ouvimos um estrondo ainda maior. Os gritos e o pânico começaram a aumentar. As pessoas a correr de um lado pro outro.

Um senhor fugiu a correr com o televisor na cabeça, e o filho atrás dele. Uma senhora com a botija. Outas mães a fugirem com os filhos no colo. Tinha uma senhora que tinha uma cantina, todos na casa dela estavam a fugir menos a mãe dela, que dizia que não pode fugir, tem que ficar para controlar a cantina, senão vão roubar.

Todos estavam a fugir para a ponta da rua, que seria o lugar mais seguro caso houvesse uma explosão maior. Minha mãe não pegou nada, além de nós. Corremos até a ponta da rua. Quando chegamos lá, demos conta que faltava alguém. Uma das minhas irmãs cassulas, havia ficado lá. Minha mãe ficou aflita. Quis ir pra lá. Mas antes que desse um passo, eu vi minha irmã mais velha ir lá. Nunca vi a Yola a correr tão rápido como naquele dia. Nós a perdemos de vista no meio da multidão. Minha ficou ainda mais aflita, porquê agora duas filhas estavam no perigo. Pouco a pouco as pessoas foram chegando e começou a ficar uma confusão no lugar.

Ouvimos mais uma explosão.
Quando vi aquilo comecei a tremer, minha mãe também. Começou a perguntar aos que vinham, se tinham visto minhas irmãs, mas todos diziam que não. Mas, nosso coração começou a esfriar de aflição, quando vimos, minha irmã Yola, a vir no meio da multidão. A segurar outra minha irmã pela mão. Eu comecei a ver já tudo camara lenta, tipo nos filmes. Ela suja com a poeira, a vir bem pausada, tipo nos filmes. Minha mãe as abraçou e lhes deu buede beijos, embora a tenha ralhado depois por ela ter ido daquele jeito. No fim de tudo as coisas se acalmaram.

Uma parte da casa do Evaristo ficou estragada por causa da explosão, mas depois resolveu – se. A explosão não se alastrou, então os danos foram mesmo só na casa do meu camba Evaristo e pra o dono da cabine elétrica.

Ficamos aí por mais uns trinta minutos, as pessoas tinham receio que ainda tivesse uma outra explosão.
Quando meu pai chegou do trabalho ficou surpreso quando viu quase todo bairro na rua. Depois voltamos pra nossa casa, e contamos tudo ao meu pai. Naquele dia, o bairro dormiu tarde, quase todo mundo ficou na rua por mais umas horas as escuras.

Também, fiquei muito admirado com a coragem da minha irmã ao ir no meio daquela explosão de faíscas. Ela era mesmo uma heroína corajosa.

No fim, tudo acabou bem.
Algum tempo depois, a cabine voltou a explodir pela segunda vez. Mas essa explosão de faíscas fica pra outra hora.

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