O Pano Xadrez

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Se para os adultos já é desconfortável, imagina para uma criança estar em um óbito.

Todos nós sentados na porta do Jaki. Com os rostos tristes. Sem entender ao certo o que realmente estava a acontecer. Nem o Edu sabia ao certo. Era o óbito da mãe dele. Ela lutou muitos anos contra a Tuberculose, mas não ganhou a última luta. Pelo menos foi o que disse o António, tio do


Edu.

Edu ficou triste, e por causa disso, nós também. Mas o Edu só estava triste porque lhe disseram que ele teria que voltar lá no Huambo pra ficar com a tia dele. Ele não entendia o que tinha acontecido ao certo. As crianças não entendem nada de morte. Os adultos também não explicam nada a elas, as ignoram como se elas não sentissem, mas sentem.

Nós ficamos triste ao ver o Edu triste. Ele não ria nem com as brincadeiras do Piato, do TCB, nem das minhas. Os olhos dele estavam bem arregalados e só ficava a olhar pra o nada, tipo ele estava aí, mas ao mesmo tempo noutro sítio. Naqueles dias não lhe deixamos sozinho. Só de noite na hora de ir dormir. Na noite antes do enterro, fiquei no quintal quietinho e a minha avó percebendo me perguntou:

- Oh, menino, tás pensar já o que da vida. Ahm?

- Avó Cessá, o Edu tá triste por causa da mãe dele, ela morreu. Assim ela está a triste também?

- Não. Ela não tá.

Fiquei calado por uns segundos e voltei a perguntar:

- Avó Cessá, quem morre, assim já não volta mais?

- Um dia. Um dia os que morreram vão viver de novo. Mas tem que esperar


ainda.

Meus olhos se arregalaram e fiquei mais bem-disposto.

- Avó Cessá, e o que tem que se fazer para viver de novo também?

- Tens que amar a Deus, menino. Ter fé em Jesus.

Calei mais por uns segundos e soltei:

- Eu não sei fazer essas coisas avó, me ensina só uê.

Ela fez um sim com a cabeça e me deu um beijo da testa. Em seguida foi fazer um pouco de arroz doce. A minha gostava de fazer arroz doce pra mim e minhas irmãs. Não contem pra ninguém, mas a casa da minha avó cheirava a arroz doce. Acabei por adormecer a espera do arroz.

No dia seguinte foi o funeral. O Edu como era criança ficou em casa.


Depois do funeral viriam busca - lo para ir pra o Huambo. Ele já estava preparado, só faltava mesmo já o carro vir busca - lo. Ficamos com ele enquanto esperava virem busca - lo, ele ainda parecia um pouco triste. O Pedrinho disse:

- Essas coisas acontecem.

- Isso acontece - Disse o Jaki em seguida.

Eu tentei faze - lo rir. Fiquei a imitar o Ti Toni quando está bêbado e fica a contar bue de estórias atoa.

- Eu sempre aviso: Cuidado com a morte, porque ela tá em todo sítio. O meu primo lhe caiu algodão no pé, morreu!

A malta rebentou de risos. O Edu também. Depois cada um foi contando estórias e pouco a pouco ele também começou a rir e a contar também piadas.

Depois demos um pano comprido, um pano a xadrez, com listras azuis e brancas, era a nossa bandeira, e nós demos pra o Edu levar, pra não se esquecer de nós.

Depois um carro veio busca - lo e antes de ir nos demos um abraço bem forte, todos nós. Quando ele estava para entrar no carro, todas as crianças fizeram continência e gritaram:

- ATÉ A PRÓXIMA, MEU CAMARADA!

Ele amarrou o pano nas costas, em volta do pescoço e ficou com o pano a voar atrás tipo ele é o super - homem. Fez continência e gritou:

- ATÉ A PRÓXIMA CAMARADAS! - Disse sorrindo.

E dali partiu. A última lembrança que temos dele, é a sorrir. E isso faz bem no coração. E o Edu ficava bem com o pano a Xadrez. Ficava tipo um super


herói.

SE MEU CORAÇÃO FALASSEOnde histórias criam vida. Descubra agora