A Menina Nova

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Eu gostava muito de ir na casa do Pedrinho, porquê lá sempre tinham buede coisas fixes, e muita comida boa. Lá era uma das únicas casas do bairro que tinha parabólica na altura, então muitas vezes ia lá vizinhos ver
novela, bonecos ou filmes.

Um dos dias, o Pedrinho chamou - me, e mais alguns dos cambas. Ele disse que vinham alguns primos dele da Maianga e que iam dar uma festa. Fomos eu, o Evaristo, o TCB, o Edu, e o Jaki, que estava bem mal disposto
como sempre. Assim que chegamos, já sentimos o cheiro da comida que invadia todo o quintal. Tinha mesas em fila, organizadas no quintal, que
estavam cheias de comida. Tinha croquetes, sandes, gasosas, frutas, bolos, tortas e até pizza. O TCB estranhou bue, porque naquele tempo, Pizza mesmo era só nas novelas. Eu só fiquei preocupado com o Jaki, ele era muito fobado e não tinha respeito de comer na casa dos outros.

Nós ficamos a assistir na sala, enquanto esperávamos os tais primos da Maianga. Estavam a demorar muito, o bom é que estava a dar Malhação, e aquilo nos distraiu um pouco. O Jaki já não aguentava mais. Ficou a se atirar no chão e a dizer que se não provar a “pitsa” como ele dizia, vai morrer. Como já tinha outras pessoas no quintal, a mãe do Pedrinho disse que não
era preciso mais esperar, que podíamos ir no quintal. Eu fiquei distraído e assisti a novela até acabar. Quando fui ao quintal, já estava lá todo mundo, até a música já estava a tocar e tudo. As primas do Pedrinho que vieram da Maianga eram bem bonitas, Os primos dele só ficavam a contar dos
videogames que tinham e dos brinquedos deles.

O TCB e o Jaki tentaram começar a assustar as crianças, e começaram a contar as histórias lá do bairro:

— Chê, nós aqui temos o KaVelho e o Corta Cabeça! — Disse o TCB.
— Eles roubam as crianças! — Disse o Jaki.

— É mentira — Respondeu um dos primos do Pedrinho — E os mais velhos não fazem nada? — Disse outra prima.

— Fazer o quê? Os pais lhes dão chapada, as mães lhes cortam a chucha e penduram no pau — Disse o Jaki a dar um grande golo na gasosa.

Aí as crianças ficaram mesmo assustadas. Os outros miúdos do bairro só estavam já a rir bue. O bom é que colocaram uma música mexida que pôs
todo mundo a dançar, e ainda bem, porque logo as crianças esqueceram o medo e foram dançar. O TCB e o Jaki ficaram próximo da mesa para comerem tudo o que conseguissem. Eu e outros cambas fomos dançar. As primas do Pedrinho dançavam bue. Depois de beber muita gasosa, me deu uma vontade e fui a casa de banho que ficava no quintal de trás da casa. A casa era bem grande. Lá no quintal de trás era onde tinha o jardim da mãe do Pedrinho, a Tia Mulata, como lhe  chamavam as crianças, e tinha uma árvore com um balouço. Fui na casa de banho e ao sair me assustei. Vi no escuro uma figura que baloiçava lentamente no balouço. Ao olhar melhor vi que era uma menina. Me aproximei. E foi aí que vi uma das coisas mais bonitas do mundo. Com seus olhos rasgados tipo pomba, castanho escuro, quase negros, cabelo grande e bem brilhante. Ela tinha um laço sobre a cabeça, com um girassol no lado esquerdo, e vestia uma camisola amarela, uma bermuda azul, e uma sapatilha branca.

Ela olhava um lado do jardim onde tinha girassóis. Ela parecia que nem notava que eu estava aí. Me inclinei para ela e perguntei:
— Você é cega?

— Não. Acho que não — Respondeu ela como se fosse a pergunta mais normal do mundo.

— És prima do Pedrinho também?

— Sim. Sou.

— Então, porquê estás aqui sozinha?

Ela não me respondeu. Abaixou o rosto. Voltou a olhar para as flores.

— Você tá triste porquê — Voltei a perguntar.

— Uma pessoa que eu gosto muito foi embora.

— Se você gostar de mim, eu nunca vou ir embora.

Ela olhou para mim e sorriu. Sorriu um sorriso bem bonito, como aqueles girassóis. Antes de voltar para a festa perguntei:

— Você não vai voltar pra festa?
— Não. Acho que não.

Não disse nada. Voltei ao quintal. Quando cheguei lá começou a me incomodar saber que ela estava triste, e sozinha no quintal de trás. Então, peguei umas quatros gasosas, uma metade de bolo, e alguns croquetes e fui sem dar nas vistas pro quintal de trás.

— Voltaste? — Perguntou ela ao me ver.

— Sim. Como não queres ficar na festa, então eu trouxe a festa pra ti.

Queres? — Disse - lhe entregando uma gasosa.

— Sim. Quero — Disse recebendo.

Cortei o bolo com as mãos e lhe dei. Ela olhou pra mim e sorriu de novo.

— Meu nome é Yurca. Qual é o teu nome? — Disse ela.

— Muzeri.

— Obrigado, Muzeri.

— Porquê?

Ela não respondeu. Simplesmente me abraçou. Depois ficamos ali a conversar atoa. A se estigar. E a falar buede bobagens. Dias depois fiquei a saber que a tal pessoa que ela disse que gostava muito e foi embora, era o avô dela que havia falecido. A Yurca morou na casa do Pedrinho por uns anos. Acabamos por ficar grandes amigos, e também, com o tempo acabei por me encantar com aquela nova menina.

SE MEU CORAÇÃO FALASSEOnde histórias criam vida. Descubra agora