Cambota

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Timidez?

Até onde eu sei, isso não existe na infância, no antigamente. Se existe, é raro.

Quando somos crianças, fazemos e dizemos coisas na maior cara de pau, coisas que hoje em dia não teríamos coragem de fazer. Isso até me faz lembrar do Evaristo. Meu camba de há muito tempo, amigo lá da banda, das antigas. Me lembro que na casa dele almoçavam as vezes pelas 13h 15 minutos, e eu já lá ia ter por volta das 12h 50. Chegava na casa dele:

— O Evaristo tá?

— Sim, tá.

— Chama só, faz favor.

Ele interrompia o que estava a fazer e vinha:

— Mô Muzeri, comé?

— Vinha te perguntar uma coisa.
— Diz.

— Hoje num queres me convidar pra almoçar na tua casa?

— Deixinda ir perguntar na minha mãe.

Ele entrava e pedia. Quase sempre ela dizia sim, só se fosse mesmo maka de pouca comida ou se lá já tivesse muita gente, senão dona Chica sempre dizia sim, e ficava a nos rir.

— A minha mãe disse que podes.
— Ah é? E vão almoçar que horas?

— Acho que as 13h 30.

— Então vou pedir na minha mãe.

Naquele tempo era assim, tinha que ir avisar na mãe também, pra não dar maka. Eu chegava já, mas com outro xaxo:

— Mãeee, a tia Chica me convidou então pra almoçar na casa dela. Posso ir?

— Podes, mas toma banho e vem mudar essa tua roupa suja.

Eu não banhava nada. Me lavava rápido. Primeiro os pés, depois as mãos e bazava com uma roupa qualquer, as vezes a mesma roupa. Ia lá e comia.

Naquele dia depois do almoço, fomos comer manga, que as vezes era com sal ou açúcar. O Evaristo dizia que era sobremesa.

Depois fomos jogar a bola. Estava o Edu, nosso camba, ele tinha grandes olhos, era alto, magrinho. O TCB falava que se lhe soprar, ele baza com o vento. Ele queria jogar, mas tinha vergonha. Ele dizia que era tímido.

— Esse muadiê é tímido, uê — Disse o Evaristo.

— Que tímido?! Isso é cambota! Pobre num pode ser tímido, senão morre de fome — Disse o Jaki.

Jaki gostava de falar isso, ele ouvia muito do pai, e não é que ele tinha mesmo razão. Dizia que isso de ser tímido é Cambota. Ele chamava de cambota tudo que pra ele era errado. Mas, depois o Edu entrou e jogou também connosco. No fim da tarde, eu e o Evaristo voltamos os dois sujinhos e com o sol a fazer já poesia na nossa cara com sua luz. Lhe acompanhei até a casa dele. Ao despedir lhe disse:

— Posso te perguntar uma coisa?
— Podes.

— Amanhã num queres me convidar pra almoçar na tua casa?

Era assim na infância. Sem medo, nem receios. Tudo era transparente e leve. Foi bom viver naquele antigamente. Foi bom comer na casa do Evaristo, meu amigo. Foi bom!

SE MEU CORAÇÃO FALASSEOnde histórias criam vida. Descubra agora