04 - Deixar-me sucumbir

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- Você está visitando algum parente? Ele deve ser um paciente novo, nunca te vi por aqui. - Perguntou.

- Oh, sim. Mas não é dessa área. - Menti. - Estava só espairecendo.

- Espairecendo pelos corredores do hospital? - Confirmei com a cabeça. - Você é filho do chefe da cirurgia, não é? - Ela arqueou uma sobrancelha.

- O que?! - Meus olhos dobraram de tamanho. - Como você soube?

- Tem uma foto sua na mesa dele e o seu rosto me pareceu familiar, um dos enfermeiros estava olhando muito para dentro do quarto e disse alguma coisa para a moça do balcão, e, se eu ainda sou boa em leitura labial, ela falou algo como "filho" e "McRae". É só ligar os pontos. - Ela falou, fazendo pouco caso.

- Uau, você é boa! - Deu de ombros. Um silêncio constrangedor tomou conta do quarto, talvez pela falta de assunto. Então, eu resolvi arriscar... - Desculpe, mas, seria falta de educação perguntar o porquê de você estar aqui?

- Seria, mas eu ía falar de qualquer forma...Meu coração não bate como o de uma pessoa saudável, ele bate mais devagar, isso se chama arritmia. Fui diagnosticada com isso à alguns anos e meu tratamento não vem respondendo muito bem de um tempo para cá, então, eu estou aqui para saber o que está acontecendo comigo.

- E você está aqui sozinha? - Perguntei, para prolongar o assunto.

- É... Eu consegui sair da casa dos meus pais à pouco tempo, e bom, foi bem difícil, porque eles tinham medo de não estarem por perto se algo de ruim acontecesse comigo. Eu trabalhei duro para provar para eles que eu podia sim, ter uma vida normal e viver sozinha. Se eu ligar pra eles e avisar que estou aqui, todo o meu esforço de anos para convencer eles, vai por água abaixo...

- Então você tem medo de que eles achem que você não está segura vivendo sozinha?

- Tipo isso...

- Então, eles não estão cem por cento errados, estão?

- Como assim?

- Você acabou de desabafar metade da sua vida comigo, e nós nos conhecemos há... - Olhei no relógio do meu pulso. - Dez minutos.

- Olha aqui, garoto! - Fingiu um breve aborrecimento, e depois caiu numa gargalhada. - Até que você tem razão...

   Eu perdi mais tempo do que esperava no hospital

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   Eu perdi mais tempo do que esperava no hospital. A conversa com Nia rendou e durou longas horas. Conversamos sobre o tempo, política, religião, música, sobre o que acreditávamos ou não, sobre os livros de Harry Potter serem melhores que os filmes. Nia falava com tanta propriedade e segurança sobre quaisquer assunto, que me fascinava, ela parecia saber de tudo um pouco. E bom, eu parecia nunca me cansar de ouvir ela falar, e na verdade, não me importaria de passar o resto do dia conversando com ela, mas, a noite acalentou a cidade em seus braços, trocando luz por sombra, e eu tive que voltar para casa.

   É engraçado como toda essa merda tem me tornado patético. Meu coração palpita só de conversar com uma pessoa nova, a esperança floresce com a ideia de ter alguém para me empurrar para fora do poço. Mas, não é assim que funciona, não posso esperar que alguém faça isso por mim, e ninguém o fará, de fato. Essa mudinha de esperança que cresce em mim sempre acaba sendo destruída, me trazendo sempre mais dor e angústia. A esperança é traiçoeira, te impede de deixar de acreditar, para no futuro, te apunhalar pelas costas. Te faz continuar acreditando, para depois ver tudo sendo destruído bem na sua frente. Te reconstrói, para te destruir mais profundamente. Te faz acreditar em contos de fadas, quando na verdade, é tudo terror. Eu vivo o terror.

E, foi esse terror que me impediu de voltar ao hospital, para visitar Nia no dia seguinte. Minha mente traiçoeira me fez acreditar que eu estava criando expectativas grandes em algo tão simples.
Isso me consome até nas pequenas coisas, como me impedir de acreditar que alguém ficaria ao meu lado e gostasse de quem eu sou, que seria meu amigo.
Parece bobo, parece ridículo. Mas, eu juro, esse fardo que eu carrego já é pesado demais para mim, e eu estou prestes à deixar-me sucumbir.

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