05 - Pequeno demais para aguentar

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   Limpei a boca e me sentei no chão gélido do banheiro, após vomitar, pela segunda vez naquela manhã.
Tudo começou quando Trix veio me chamar para o café da manhã e, porventura, mencionou que hoje à noite meu avô viria jantar conosco, e isso foi o bastante para me apavorar. Meu estômago embrulhou e o temor se instalou por todo o meu corpo. O patriarca da família McRae tem esse efeito sobre mim. Suas palavras sempre faziam eu me sentir pequeno. Mas, sinto que já estou pequeno demais para aguentar.

Levantei do chão com as pernas trêmulas, sentido a tão costumeira sensação de impotência se apossar dos meus pensamentos.

- Trix? - Recebi um "sim?" de resposta, vindo da cozinha. - Acho que não quero jantar hoje.

- Você sabe que, infelizmente, não é uma escolha. Mas, sabe, seu pai conversou com ele.

- Só acho que não consigo ouvir tudo de novo...

- Olhe para mim... - A fitei. - Não deixe que ele tenha tanto poder sobre você, é isso que ele quer. Você tem que ser forte.

- É exatamente por isso que acho que não consigo. Eu sou fraco demais pra suportar mais algumas mensagens de ódio...

- Ele não te odeia, Trevor, só está cego por tudo que aconteceu.

- Ele tem estado cego por muito tempo.- Suspirei cansado.- Mais tarde, vou ver se meu pai pode livrar minha pele dessa vez...

- Mais tarde, vou ver se meu pai pode livrar minha pele dessa vez

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- Não, Trevor, você tem mesmo que estar lá. - Passou a mão pelos cabelos pela terceira vez consecutiva. Estávamos meu pai e eu conversando na lanchonete do hospital. - Meu filho, eu entendo que é dificil para você sentar e ouvir toda a lamúria do seu avô sobre você e suas escolhas, mas também é dificil para mim, ver a forma como você reage à tudo isso, para Trix também. Eu lamento muito, mas o único que pode impedir que isso aconteça é você.

- Eu não posso mais nada, pai, sinto muito por isso. - Levantei desapontado da cadeira, pronto para voltar e me esconder no meu quarto, como um bom covarde que eu sou.

- Ei, McRae! - A voz alegre e estridente soou à poucos metros de mim. Me virei e Nia acenava e sorria para mim.

- Você ainda está aqui? - Dei alguns passos até estar próximo o suficiente dela.

- O médico ainda não chegou à uma conclusão concreta.

- E os seus pais, já sabem? - Levantei uma sobrancelha.

- Lá vai você de novo... - Revirou os olhos e começou a caminhar em sentido contrário.

- É importante que eles saibam, e você está sendo inconsequente de não os avisar. E ei, por que está fora do quarto? Pacientes não devem transitar pelo hospital! - Digo seguindo Nia, que fingia não estar me ouvindo. Continuei tentando a convencer, sem obter sucesso, e quando percebi, já estávamos em seu quarto.

- Olha, eu estou acostumada com os altos e baixos da minha doença, está tudo bem. Você vai ver, daqui à alguns dias eu já vou estar em casa.

- Você disse isso há 2 dias. - Tirei minha jaqueta e a joguei em cima de uma mesinha, no canto do quarto, que continha algumas flores.

- Não seja chato... - Se sentou na cama, em posição de lótus. - Aliás, trouxe alguma comida, já que veio me visitar sem meu consentimento?

- Eu não vim te visitar, convencida. Tive que resolver um assunto com o meu pai.

- Já vi que não foi muito bem... O que houve? Ele não quis te dar dinheiro para comprar um relógio novo? - Debochou.

- Ha! Ha! Ha! - Dei uma risada falsa. - Você é tão engraçada, já pensou em ser comed... - Eu teria terminado a frase, se Nia não tivesse começado a hiperventilar na minha frente. - Nia! O-que tá' acontecendo? - Perguntei o óbvio. Em minha defesa, eu nunca soube como reagir nessas situações.

- E-Eu... Não posso res...pirar! - Falou com dificuldade, gesticulando com as mãos.

- E o que eu faço?! - Meu coração batia com tanta frequência, que me impedia de raciocinar com clareza.

- Chama o médico! - A fala saiu trêmula e quase como um sussurro.

Eu corri mais do que achei que minhas pernas podiam aguentar, parei o primeiro enfermeiro que encontrei e, com dificuldade, expliquei o que estava acontecendo.

   Já haviam se passado alguns minutos. O enfermeiro injetou um medicamento na veia de Nia, e aos poucos, a respiração dela se regulou. Me disseram que seria melhor a deixar descansar, e por isso, resolvi ir embora. Mas antes, voltei ao quarto, para ver como ela estava.

- Agora você entende que está se negligenciando aqui, sozinha, quando poderia ter o apoio da sua família? - Ela nada disse. - Me dá o seu celular.

- Para que? - Estendi a mão e ela pôs o celular lá. Digitei meu número e salvei.

- Agora, me promete que vai me ligar, se precisar de ajuda.

- Mas eu não preciso de ajuda, e eu mal te conheço. Que certeza eu tenho que você não é um assassino? - Retrucou.

- Tá... - Me sentei na poltrona do seu lado. - Eu sou o Trevor, tenho 23 anos, não trabalho, não estudo, quer dizer, eu faço um curso de inglês 2 vezes por semana. Eu não tenho nada melhor para fazer e vai ser muito mais prático me chamar, do que incomodar os seus amigos de faculdade ocupados. - Deduzi a parte dos amigos, já que ela me disse não receber visitas enquanto no hospital.

- Eu... não tenho amigos na cidade. - Falou baixinho, como se não quisesse que eu ouvisse.

- Então você não tem outra opção. Vai, promete.

- Mas... - Nós nos olhamos e eu levantei uma sobrancelha. - Okay. - Se deu por vencida. - Mas não espere que eu vá ligar, eu não preciso de ajuda.

- Tá bom. - Dei um sorriso. - Agora, deita aí e dorme, o médico disse que você tem que descansar.

- Você é um chato!

- E você uma irresponsável. - Disse, e caminhei para fora do quarto.

- Tchau, McRae. - Sorri uma última vez e fechei a porta. Bom, não antes de ouvir Nia murmurar um "mal educado".

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