10 - Suco de uva em uma taça de cristal

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   Às vezes, eu sinto como se já tivesse falhado, sem nem ter tentado. Sinto como se o mundo fosse um quebra-cabeça, e eu a peça que que não se encaixa. Como um teste beta que não obteve êxito, eu deveria ser descartado.

- Qual é o seu maior sonho? - Nia me perguntou. Estávamos nós dois sentados na varanda do seu apartamento, observando as nuvens, olhando por entre as janelas dos vizinhos, e bebendo suco de uva em uma taça de cristal. Nada de álcool.

- Hum? - Perguntei desatento.

- Você está voando hoje. - Resmungou.

- Eu nunca tive um grande sonho. É estranho, todos têm sonhos, dons, propósitos e missões, mas eu nunca tive nada disso. - Ignorei sua reclamação e respondi a pergunta feita antes.

- Acho que tudo bem não ter sonhos, contato que em sua realidade haja momentos felizes. - Rebateu, sorrindo.

Momentos felizes

- Acho que sim. - Sorri fraco, não querendo prolongar aquele assunto. - Mas, e o seu maior sonho?

- Meu maior sonho sempre foi dançar, e bom, eu o fiz.

- Você dançava? - Perguntei animado.

- Sim. Era minha terapia, o mundo poderia estar caindo, mas quando eu dançava, parecia ficar tudo bem. Ah, eu amava estar no palco e ouvir os aplausos, fazia toda a dor cessar, e todo os machucados valerem à pena. - Seus olhos brilhavam em pura nostalgia.

- Uau! Por que você parou? - Seu sorriso murchou.

- É que os exercícios em excesso meio que colaboraram para eu desenvolver a arritmia, eu tinha hora para começar a treinar, mas não sabia quando parar. Depois do diagnóstico, os médicos proibiram que eu continuasse a dançar de forma excessiva e profissional, ou seja, nada de passar a noite treinando, espetáculos e competições.

- Aposto que você era incrível! - Empurrei seu ombro.

- Eu era mesmo, mas não me dei conta disso, antes de perder tudo. - Me empurrou de volta.

- E do que você tem medo? - Tentei entrar no seu jogo de "perguntar e respostas".

- Você vai escrever a minha página no Wikipédia ou o que? - Nós rimos. - Você sabe do que eu tenho medo.

- É sobre o marca-passo?

- É só que toda vez que eu estou prestes a marcar a cirurgia, o medo me consome. Tenho tanto medo, tanto. Talves eu não saiba nem de que.

- Nia, do que mais você tem medo? - Tive uma ideia.

- Sei lá! De altura? - Perguntou retóricamente.

- Vem comigo! - Segurei sua mão e a puxei.

- Para onde, garoto? - Disse, colocando a taça no chão, de forma desajeitada, por causa da pressa em que eu a puxava.

- Você vai ver.

Porque, apesar de eu ser a peça incógnita, que não se encaixa no quebra-cabeça, Nia é a peça rara que todos procuram.

E eu não vou deixar que ela se perca.

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⏰ Última atualização: Dec 01, 2020 ⏰

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