Às vezes, eu sinto como se já tivesse falhado, sem nem ter tentado. Sinto como se o mundo fosse um quebra-cabeça, e eu a peça que que não se encaixa. Como um teste beta que não obteve êxito, eu deveria ser descartado.
- Qual é o seu maior sonho? - Nia me perguntou. Estávamos nós dois sentados na varanda do seu apartamento, observando as nuvens, olhando por entre as janelas dos vizinhos, e bebendo suco de uva em uma taça de cristal. Nada de álcool.
- Hum? - Perguntei desatento.
- Você está voando hoje. - Resmungou.
- Eu nunca tive um grande sonho. É estranho, todos têm sonhos, dons, propósitos e missões, mas eu nunca tive nada disso. - Ignorei sua reclamação e respondi a pergunta feita antes.
- Acho que tudo bem não ter sonhos, contato que em sua realidade haja momentos felizes. - Rebateu, sorrindo.
Momentos felizes
- Acho que sim. - Sorri fraco, não querendo prolongar aquele assunto. - Mas, e o seu maior sonho?
- Meu maior sonho sempre foi dançar, e bom, eu o fiz.
- Você dançava? - Perguntei animado.
- Sim. Era minha terapia, o mundo poderia estar caindo, mas quando eu dançava, parecia ficar tudo bem. Ah, eu amava estar no palco e ouvir os aplausos, fazia toda a dor cessar, e todo os machucados valerem à pena. - Seus olhos brilhavam em pura nostalgia.
- Uau! Por que você parou? - Seu sorriso murchou.
- É que os exercícios em excesso meio que colaboraram para eu desenvolver a arritmia, eu tinha hora para começar a treinar, mas não sabia quando parar. Depois do diagnóstico, os médicos proibiram que eu continuasse a dançar de forma excessiva e profissional, ou seja, nada de passar a noite treinando, espetáculos e competições.
- Aposto que você era incrível! - Empurrei seu ombro.
- Eu era mesmo, mas não me dei conta disso, antes de perder tudo. - Me empurrou de volta.
- E do que você tem medo? - Tentei entrar no seu jogo de "perguntar e respostas".
- Você vai escrever a minha página no Wikipédia ou o que? - Nós rimos. - Você sabe do que eu tenho medo.
- É sobre o marca-passo?
- É só que toda vez que eu estou prestes a marcar a cirurgia, o medo me consome. Tenho tanto medo, tanto. Talves eu não saiba nem de que.
- Nia, do que mais você tem medo? - Tive uma ideia.
- Sei lá! De altura? - Perguntou retóricamente.
- Vem comigo! - Segurei sua mão e a puxei.
- Para onde, garoto? - Disse, colocando a taça no chão, de forma desajeitada, por causa da pressa em que eu a puxava.
- Você vai ver.
Porque, apesar de eu ser a peça incógnita, que não se encaixa no quebra-cabeça, Nia é a peça rara que todos procuram.
E eu não vou deixar que ela se perca.
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Razões Para Dizer Adeus
RomanceOnde Trevor acha que não há mais chances para ele, e que deve parar de existir. Com esse pensamento, escreve cartas, que num futuro próximo seriam direcionadas aos possíveis receptores de seus órgãos, no intuito de os induzir a viverem a vida que el...