Fechei os olhos com força e cerrei os punhos. Um frio quebrante tomou conta do meu corpo, como se a temperatura tivesse caído de repente, ou algo assim, e o ambiente ganhou uma aura pesada. O frio, o silêncio e a dor no coração desse momento me é muito nostálgico, e foi como se eu viajasse no tempo, para aquele dia.
- Você sabe que o que ele falou não é verdade, não é? - Meu pai dizia essa e outras coisas, que eu já não era mais capaz de ouvir.
Era um fim de tarde mais frio que o habitual. Ao meu lado direito estava meu pai, olhando para um ponto fixo do cemitério, ao meu lado esquerdo estava Trix, que chorava silenciosamente, e, um pouco à frente havia um caixão, em cima de uma espécie de maca de ferro. Estávamos abaixo de uma grande tenda disponibilizada pelo lugar, mesmo que o sol não houvesse dado as caras naquele dia. O local continha algumas amigas da minha mãe, familiares e pessoas que a admiravam, todos choravam baixo, como um único coro.
- Senhor... - Um dos funcionários, ali presente, se aproximou e raspou a garganta, antes de falar. - Já vai anoitecer, não quero ser invasivo, mas, não acha melhor prosseguir? - Se referiu ao sepultamento. Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos, e com a voz vacilante, disse:
- Podem continuar.
Logo depois, puxei a barra do paletó do meu pai, que olhou para mim.
- A mamãe não vai mais voltar? - Meu pai se abaixou, até ficar do meu tamanho, e passou a mão pelos meus cabelos.
- Ela nunca foi embora, Trevor. Ela não vai mais estar fisicamente conosco, mas sempre estará presente aqui. - Pressionou a mão no meu peito esquerdo. - Ela sempre estará com você, meu filho, e toda vez que sentir que não pode caminhar sozinho, quero que lembre que ela estará lá, segurando sua mão, e te ajudando a seguir em frente.
- Vou sentir falta dela. - Olhei o chão, sentido uma sensação diferente, doía dentro de mim, e não fora, como quando eu caía de bicicleta.
- Eu também vou. - Uma lágrima solitária deslizou pelo seu rosto. - Mas, eu estou aqui com você, ficará tudo bem. - Meu pai me abraçou. Depois, levantou, segurou minha mão, e nós observamos os funcionários do cemitério descerem a grande caixa de madeira pelo buraco simétrico feito no chão.
E, pela primeira vez desde que pisamos ali, um alto e triste soluço ecoou, seguido de um choro desolado.
Vinham de mim.
Eu não entendia muito bem o que era a morte, ou o porquê de mamãe não poder estar mais comigo. Mas, quando eu percebi que aquele era o último momento que eu veria minha mãe, um desespero devastador se alastrou, e permaneceu. Eu me senti perdido. Doia muito, e era agonizante saber que minha mãe não estava ali para me abraçar.
Eu percebi que odiava o frio e o tremor que ele me fazia sentir.
Apanhei a chave do meu carro, e saí de casa as pressas, deixando Trix e papai temerosos para trás. Diferente daquele fim de tarde, eu já não era um garotinho conhecendo a dor, eu vivia a dor. E, era mais assustador ainda quando ela não se manifestava, quando eu não sentia nada, quando no lugar dela, havia só um mar vazio, pronto para me afogar.
Sem perceber, eu já estava em frente a Delírio novamente, pronto para fingir mais uma vez que nada mais importa, quando na verdade, nunca deixará de importar.
E eu o teria feito, se meu celular não tivesse tocado, antes de entrar.
- Você deixou sua jaqueta aqui de propósito? Meu Deus, isso é tão patético, que eu quero vomitar! - A gargalhada de Nia, alheia de tudo que estava acontecendo, soou na linha telefônica.
- Nia, eu... - Um nó se formou na minha garganta e eu não consegui prosseguir.
- Eu não liguei num momento bom? Oh, eu sinto muito!
As vezes, eu sentia que estava caminhando em direção ao meu fim, em passos lentos e cansados, e o meu subconsciente gritava para eu correr na direção contrária. E, por extremo impulso causado pelo mesmo, eu perguntei:
- Eu... posso ficar aí essa noite? - Me arrependi logo depois de perguntar, já estava pronto para desconversar.
- Aconteceu alguma coisa? - Nesse momento ela percebeu que havia algo errado. - Puff, que pergunta! Claro que você pode ficar aqui. Tá' tudo bem?
- Eu não sei. - Desliguei a ligação, e dirigi no sentido contrário, rumo ao hospital.
Noites frias são sombrias demais para se caminhar sozinho.
(a parte em itálico é um momento da infância do Trevor, okay? okay)
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Razões Para Dizer Adeus
Storie d'amoreOnde Trevor acha que não há mais chances para ele, e que deve parar de existir. Com esse pensamento, escreve cartas, que num futuro próximo seriam direcionadas aos possíveis receptores de seus órgãos, no intuito de os induzir a viverem a vida que el...