23. Sina é a única pessoa que importa agora.

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Noah Urrea.
Pela manhã.

Emana de mim uma tristeza profunda, que acaba me deixando bastante acabrunhado. E levo um tempinho para entender. Recuo com medo, fascinado e fazendo menção de sair correndo pela porta.

Quando me abaixo um pouco, brevemente sinto-me aliviado. No entanto, mais um sentimento de angústia anuncia trazer uma pilha de aflições esparsas para mim. A minha própria reação ao meu grito me deixa atômico. Vem um coro de vozes na minha cabeça.

Atinjo os cabelos com as pontas dos dedos. Eu cheiro a uma substância química enjoativa, que faz meu nariz arder a todo vapor. Entendo que agora não comando absolutamente nada dentro de mim, mas meu cheiro misturado com a droga me deixa um tantinho desconfortável.

Alguém está me espionando. Bloqueio qualquer indício de preocupação eminente. Fico tão pasmo que volto a cabeça para trás do próprio corpo, cessando a respiração por completo.

Está tudo vazio no banheiro. Tento empurrar para dentro da minha cabeça que tudo isso não passa de uma merda de alusão aos meus próprios medos internos. E eu permaneço onde estou. As mãos tocam deliberadamente a pele do rosto, que parece derreter após receber um contato que irradia conformismo.

Endireito a postura. Estou vermelho e pálido ao mesmo tempo. Entendo que emendo uma situação a outra, e poucos momentos da última noite voltam à tona como um caleidoscópio de memórias perdidas.

Olho para os dois lados. Primeiro para a direita, depois para a esquerda. E começo a aceitar outra vez todos os sentimentos intensos que crescem e explodem dentro de mim. Para mim, trata-se de um extenso momento de fraqueza. Mas isso nunca me causou uma reação tão apavorante assim.

Congelo ao ouvir meu nome, imaginando se devo ou não olhar para a porta e tirar a prova de que Sina é a pessoa que agora dá voltas e mais voltas pelo banheiro.

— Ei! — empurro a ponta do dedo no nariz e respiro melhor. Ela me cheira a tulipas numa gostosa manhã de sábado — Está tudo bem?

— Sina? — indago, incerto do que dizer — O que está fazendo aqui?

— Eu passei a noite aqui. — ela responde, acrescentando então uma expressão de dor e ressentimento — Não se lembra?

Balanço a cabeça no ar, agora que inclino a espinha das costas enquanto aperto a pia com as duas mãos tão geladas quanto a própria porcelana. Ainda bem que demovi nossos olhares. Assim, posso não acompanhar o trajeto comprido de suas reações.

Sinto-me tão perdido que acabo abalando a mim mesmo, ainda que sem querer. Claro que eu não me lembro muito bem da última noite, embora pequenas cenas dancem facilmente pela minha cabeça. São vultos negríssimos e insanos o bastante e que me deixam intrigado.

Se eu sorrir suficientemente, rápido e breve, ela vai entender que foi uma mera e indiferente distração. Bem, talvez ela consiga engolir tudo isso sem sentir o verdadeiro gosto.

— Claro! — endireito a postura e espicho as pernas ficando na ponta dos pés, devagarzinho.

Após um circuito em volta do banheiro, bem desinteressante, Sina chega mais perto. Ela está quentinha, com um belo vestido de festa e cabelos ajeitados, como se tivesse acabado de se arrumar para mim, eu prefiro pensar.

Genesis - NoartOnde histórias criam vida. Descubra agora