22. Você é a minha única exeção.

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Agora, de maneira constante, sinto que algo arranca tudo de bom que existe dentro de mim. A gente costuma perceber tanta coisa quando ficamos em silêncio. E esse é o momento. A verdade é que não posso sentir tantas emoções, não assim. Eu havia me acomodado ao que não me fazia feliz e estava tudo bem. Revoltava-me quando achava necessário, mas nunca alagava meu coração com nada.

Bem, é algo demasiadamente ridículo sentir essa falta dela, como se não a visse por anos e anos. Seus olhos são como lampejos, parecem até mesmo uma segunda chance que eu decidi agarrar depois de tanto assisti-la desfilando e deslizando pela minha mente como um café morno costuma fazer ao descer pela garganta.

Passei grande parte da vida fugindo dessa sensação. Por que tentar uma coisa que não me faz feliz? Perecia horríveis sonhos sem limites e fins. Eu dormia demais ou consumia algumas besteiras. Afinal, as pessoas usam drogas porque querem fugir da realidade. Mas agora, do que exatamente eu quero fugir?

Meu nariz está torto, rosto aborrecido... Apenas o vazio. Enigmático. Eu preciso sim daquela sensação de poder e agito. A noite está sombria. Queria estar no controle, mas minhas mãos exploram todos os cantos que os olhos alcançam, até encontrarem os saquinhos que Samuel esconde em buracos entre quinas de móveis.

Estou abaixo de tudo que segue pela superfície. Agacho-me ao lado do sofá, sob uma janela aberta, e apanho uma nota, deixando-a alojada meio às luvas com fendas nas regiões dos dedos. Enrolo-a rapidamente, sem pestanejar e com o coração batendo a mil.

Há tantas coisas além das pequenas cores que vejo agora, enquanto aproximo o rosto da cocaína e o nariz entra em contato com a droga que avança para dentro. Acabo vivendo em um sonho, de repente e bem devagar. Então, a sombria noite de sábado desaparece como se jamais tivesse estado aqui, e a vida não é o que parece ser. No final, todas aquelas tristezas somem quase que num passe de mágica. Eu estou sonhando de olhos abertos, com a visão de um adolescente que tem luzes penduradas em todos os fios de cabelo em torno do crânio.

Respiro fundo; a nota desliza por entre os meus dedos e cai no meio das pernas. Tombo a cabeça até encostá-la na parede, sentindo uma enseada de vibrações tomar conta de cada átomo que me forma uma criatura bagunçada. Eu posso, finalmente, ouvir o vento soprar lá fora.

Foda-se o amor dela.

Foda-se suas mentiras.

Estou deixando tudo isso me queimar.

Uma sombra intrigante e pecadora passa pela porta que uma vez permiti ficar meio aberta, meio fechada. Um sorriso de sedução cresce em seu rosto. Continuo parado, sem reação, sem saber como me mexer. Lamento não saber se ela é real ou se não passa de uma coisa qualquer que minha mente desenhou para trapacear no jogo de controle. E nada do que vivo agora me diz se isso é verdade, até vê-la abrir a boca e rir como uma pequena onda de violência.

— Aí está você! — seus olhos azuis descem, bem devagar.

Levo cerca de três minutos para me levantar e fazer alguma coisa, como dar um passo em falso e precisar levar as mãos até o encosto do sofá que há entre nós.

— O que você está fazendo aqui? — passo as costas da mão no nariz, sinto-o ardente. Parece acontecer um incêndio dentro de mim, mas ainda me sinto para cima, segurando um poder insustentável no corpo inteiro.

— É que... Eu vi seus amigos lá dentro e me perguntei por onde andava o cara mais legal dessa banda. — Melanie solta uma risadinha antes de respirar fundo — Sei que começamos com o pé esquerdo e entendo os motivos que te levaram a não gostar de mim, mas acredite, eu e Sina estamos muito bem agora.

"Sina." O nome dela percorre o trailer e escapa pelas brechas que encontra.

— Não devia estar aqui. — como sempre, trago comigo um tom de superioridade, mas ao invés de levá-la para um lugar público, espero pelos seus próximos passos, mesmo que eles sejam curtos demais enquanto se aproximam de mim.

Genesis - NoartOnde histórias criam vida. Descubra agora