Capítulo II

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Eu adoro ir ao supermercado. Adoro mesmo. Parece besteira, mas sempre sonhei com o dia em que fosse as compras pela primeira vez. Encher o carrinho de suprimentos com todas as coisas que você gosta, e ir pagar com seu dinheiro, é tão, independente! Errado, no meu caso, compro apenas um pote de sorvete, alternando os sabores que vão de chocolate, flocos e chocolate meio amargo (isso depende do meu humor), e pago, olhem só no cartão de crédito!

Vou ao supermercado toda sexta feira depois da ida a biblioteca municipal, é um hobbie que tenho desde pequena. A senhora Elisabeth me tem como filha, juro, tenho o cartão premium da biblioteca municipal.

- Natalie, minha querida .- disse a senhora Elisabeth. - Tenho um presente para você.

- Ah! - disse-lhe eu com a voz embargada. - Você lembrou do meu aniversário. Conte-me Elis, o que é?

- É um cartão...

Cortei dona Elisabeth na hora.

-... de crédito? Finalmente poderei comprar aquela bota maravilhosa e usá-la em Gramado, quando a época fria chegar!

- Ah, poxa vida Nate, não é um cartão de crédito. É o cartão premium da nossa simplória biblioteca!

AI MEU DEUS! Queria abrir um buraco e enfiar minha cabeça e meu corpo dentro! Que vergonha.

- Claro que é o cartão da biblioteca! Eu sabia! Só estava brincando Elis. Sinto-me lisonjeada, muito obrigada.

- Você não perde a piada mesmo, Nate. Agora saía dessa biblioteca. Divirta-se e comemore seu aniversário. Afinal, são dezoito primaveras docinho. Mas antes venha cá, e me de um abraço. - diz dona Elis com os olhinhos azuis acinzentados cheios de lagrimas.

Eu lhe imploro: - Não me faça chorar.

- Só quero que se divirta e pare de procurar seu príncipe encantado. Ele vai aparecer e não será dentro desses livros.

Recordo-me sempre desse dia. Não pela vergonha que passei. Mas pelo o quê a dona Elis disse-me: "seu príncipe encantado irá aparecer." Será que a dona Elis sabe que já se passaram dois longos anos que tivemos essa conversa? Pergunto-me isso enquanto sigo em direção ao supermercado.

Sim, é sexta-feira. A Sophis e a Manu planejaram uma baladinha sertaneja. Mas qual é? Sertanejo? Não, obrigada! Vai passar um especial da banda The Smiths no VH1, e quero assistir.

Como sempre, o supermercado está cheio, lotado! Sinto-me num formigueiro. Somos as formiguinhas à procura de comida. A única diferença é que usamos os carrinhos para colocar as compras, não levamos em cima da cabeça. Bizarro, todo mundo resolve fazer compras no mesmo dia que eu? Vou direto ao corredor de sorvetes. Flocos, o escolhido de hoje.

Apanho um pote, e tenho a brilhante ideia de como acompanhamento ao sorvete, comprar um pote de brigadeiro.

Vou até o corredor das "besteiras" ao som de "Last Night" da banda The Strokes, uma das minhas bandas favoritas. A música é tão contagiante, que não me recordo o momento correto em que comecei a balançar a cabeça e resmungar o refrão tão alto, que fizera a criança ao lado começar a chorar.

- Meu Deus - pensei comigo mesma - ela deve achar que sou uma aberração! Pegue um pote de brigadeiro e vá para casa.

Engraçado como tudo NÃO conspira ao meu favor. Devo ter uma áurea negra, ou pior, as atuais namoradas dos meus ex-namorados, fizeram uma reza da braba, pra tudo dar tão errado na minha vida.

Vi o desastre de longe. O último pote de brigadeiro sendo colocado em uma cestinha de mão. E que mão, deve-se analisar o caso. Meus olhos vasculharam o dono daquela mão, sim o dono, sabia que era mão masculina - cheia de veias seguida por um braço definido e uma tatuagem "tribal".

- Uauuu! - impressão minha ou os anjos estão cantando?

É claro que ele deve ter reparado em mim. Quem não repara em uma mulher de vinte anos, com o short manchado - resultado da limpeza imperfeita no banheiro - com os olhos fixos no seu corpo malhado? Se ele não tivesse reparado, ele estaria sorrindo e mordendo o lábio? E vindo em minha direção?

- Oi. - Disse o cara musculoso e com cheiro da colônia Malbec, do O boticário.

- O-o-o-i! - disse eu, querendo lembrar como faz para respirar. - Inspire, respire, inspire.

- Percebi que estava a olhar minha cesta. Queres algo que eu tenha pego? Por exemplo: a última lata de brigadeiro? - Diz ele com toda a gentileza do mundo.

- Cesta? Brigadeiro? - Ele reparou que estava olhando a cesta? Meu querido: EU ESTAVA OLHANDO OS SEUS MUSCULOS! - Ah, claro, a lata de brigadeiro, é que sabe, não estou nos meus melhores dias. O brigadeiro poderia ajudar. Mas não tem problema não, pode ficar.

- Ah, dá pra notar - diz ele olhando para a minha cesta, recheada por um pote de sorvete e um kit primeiros-socorros para a renite: dez pacotinhos de lenços descartáveis. - Sorvete e lenços? Dia de assistir filmes dramáticos?

- Nããão! (tudo bem que eu iria assistir filme dramático depois que o especial acabasse, mas cá entre nós, tenho que impressionar). O sorvete irá me acompanhar enquanto assisto ao especial do The Smiths ...

- Você disse The Smiths? 'Sing me to sleep, sing me to sleep' ...

O rapaz musculoso está cantando Asleep? Posso cantar junto? Controle-se.

- Eu amo The Smiths - continua ele, depois de dar seu showzinho particular - Álias, me chamo Murilo.

Dona Elis, tenho certeza que o príncipe encantado resolveu aparecer.

Apenas uma questão de tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora