Capítulo XVI

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Eu poderia ter dito mil e uma coisas. Poderia ter falado que tudo aquilo era tão ridículo e tão infantil. Poderia ter dito também, que estava apaixonada e que não havia necessidade disso. Não queria que ele partisse, não queria que metade de mim fosse com ele.

 Irônico, metade de mim. Como pode metade de mim ser de alguém que até então fez pouco caso dos meus sentimentos? Talvez amar seja isso mesmo, sentir as escondidas. Amar pelos cantos. Gostar nas entrelinhas.

Por incrível que pareça, eu amei. Não foi aquele amor cúmplice. Nem de perto um amor recíproco. Foi um amor meu. Um amor único. Aquele amor que você sussurra baixinho. Aquele que você tenta não gritar aos quatro cantos. Aquele amor em que você deita a cabeça no travesseiro e dorme. Não posso mentir, seria bem mais fácil se ele sentisse o mesmo. Que pudéssemos ter vivido todo esse amor enquanto tínhamos tempo. E agora, veja bem, ele está partindo.

Não posso mentir. Estou sentindo muito pela falta de dialogo, e por todas as nossas confusões. Poderíamos ter tido tudo e escolhemos entre o nada. Mas convenhamos, dizem que amar é isso mesmo. É escolher coisas tão imprevisíveis. Lucas não passava confiança, como eu teria que ter?

Agora ele esta aqui, na minha (nossa) sala, arrumando todas as suas poucas coisas em caixas. Ele não falou nada desde o momento em que me deu a notícia. Quero dar tempo, ele ainda pode mudar de ideia. Ou não, ele parece muito determinado, e, ainda não me olhou nos olhos.

- Celson já sabe dessa sua partida? – digo por fim

- Sim, comuniquei ontem à noite. Ele deve estar chegando de viajem amanhã. Comprou uma passagem às pressas.

- Nossa você realmente pensou em tudo.

- Não, Nat. Eu não pensei. Não quero pensar em nada nesse momento. Quero deixar que a razão fale por mim, como sempre aconteceu. Não tenho nada que me prenda aqui. Gosto das cidades, das pessoas. Mas nada que me motive. Eu não tenho nada.

Você tem a mim, se quiser.

- Compreendo perfeitamente. Vou te deixar a sós com a sala, assim você poderá se despedir sem nenhum incômodo. Mas Lucas, antes de ir embora, me chame? Por favor.

- Claro. Chamarei. – ele diz

Poderia jurar que ele estava mentindo, e que, não ele não me chamaria. Mas novamente, ele me surpreende e, quase uma hora depois, escuto meu nome.

- Natalie, estou me despedindo. Meu voo para São Paulo irá partir as quatorze horas. Deixei alguns papeis para te auxiliar, não são tantas coisas, mas podem ser de grande ajuda.

- Muito obrigada Lucas. Não entendo o motivo repentino de querer ir embora. Mas não irei questionar você pode fazer o que quiser. Entretanto, quero que saibas o quão grata sou pela sua ajuda nesses meses. Espero que as coisas se resolvam e que talvez um dia possamos tomar um café juntos. Você foi um grande amigo, gostaria de manter contato, se possível.

Acalme-se, você não pode chorar.

- Nat, sei que tudo pode parecer tão ridículo, tão mesquinho. Mas eu preciso desse tempo. Necessito de ar puro. Quero trabalhar nos meus projetos e, claro, claro que podemos nos ver. Você poderá ir a São Paulo quando quiser.

Claro, você poderá vir quando quiser também. Você poderia não ir.

Lucas se aproxima, e me abraça. Um abraço duradouro. Daquele que você sente ser o ultimo. Aquele abraço em que você não sabe se te encontra ou se ele te mostra o que perde. Abraços são assim mesmo.

Ficamos abraçados por algum tempo, então ele solta olha em meus olhos e diz:

- Se cuida, prometa que vai se cuidar. 
Beija a minha testa e sai em direção à bicicleta.

Não, eu não fui atrás dele. Nem o vi sair. Apenas entrei em nossa (minha) sala e chorei. Chorei por que já estava sentindo falta. Não poderia e não devo chorar, digo a mim mesma. 
Tenho coisas a fazer.

Consigo trabalhar por duas horas sem pensar no Lucas. Mas no horário do almoço, uma solidão bateu e mais uma vez, chorei. Não é tão simples esquecer.

Ligo pra Manu, e desabafo. Conto tudo. Estava apaixonada e não queria admitir. E agora, ele partiu.

- Vá até o aeroporto e faça-o ficar. Conversem. Vai dar tudo certo. - diz Manu aos prantos.

Olho no relógio. Treze horas. Ele deve estar no aeroporto, fazendo o check-in.

Pego o carro e a rota mais rápida para o aeroporto. No caminho, penso no que direi:

Eu sei que você disse que eu deveria escolher.  A escolha é minha. Não me importo com esse seu estilo retraído, muito menos com as suas variações de humor. Não me importo com seu vício em cigarros, nem com as suas camisetas xadrez. Não me importo em ter que aturar suas manias estranhas como comer pão com macarrão, nem a mania absurda em misturar pão de queijo com doce de leite. Não me importo com os filmes velhos nem que você fale sobre seus medos sobre o futuro. Me importo se você ficar falando o tempo todo sobre ciências sociais, e se menosprezar o que eu faço. Sei que não fui tão direta. Sei que nós dois falhamos, mas estou aqui, não pra te implorar para ficar. Mas pra dizer que a única coisa que realmente me importo é de saber que você foi pra São Paulo, sem ver que você tem alguém. Você tem a mim. Sempre teve. Desde o primeiro dia em que entrou em minha sala. Fomos egoístas demais para perceber o que estava estampado. Você tem a mim e eu tenho você.

Tudo ensaiado. Tudo perfeito. Chego ao aeroporto faltando quinze minutos. Vai dar tempo. 
Corro pelo saguão, olhando para todos os lados. Nada.

Olho para ver os voos que estão atrasados e um suor gelado toma meu corpo. 
O voo do Lucas fora antecipado, estava decolando nesse exato momento.

Corro para a janela principal a tempo de ver o avião subindo. Controlo o choro. Respiro. Em meio as minhas lágrimas digo baixinho:
Fique bem, até mais.

Apenas uma questão de tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora