01 | não é um sonho

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ㅡ Na verdade... Viver é uma merda. ㅡ Jong Ho bufou colocando o envelope amarelo em cima do balcão mais uma vez, com os olhos esmiuçados e o semblante parecendo bem preocupado. A melancolia do dia me fez escolher uma música nada suave para ecoar entre as paredes, com um disco do QUEEN em mãos. Deslizei pelo concreto liso abaixo dos meus pés enquanto 'Another One Bites the Dust' começava a embrasar bem no refrão. Pulei em sua frente o encarando, era impossível não sentir o ritmo de QUEEN enfervecendo o corpo.

ㅡ Porque está de mau humor? ㅡ Perguntei ao pequeno homenzinho, abandonando a capa do disco. Começei  colocando o pó de café na minha ilustre cafeteira, o aroma já se espalhava por todo o ambiente, mas mesmo com isso, Jong Ho acabou por fazer um bico ainda maior do que o anterior.

ㅡ Não tem como ficar de bom humor com uma notícia dessas. Eu reprovei! ㅡ Sentou bufando na cadeira, me segurei para não soltar uma risada -- não era bem isso que ele precisava no momento.

ㅡ ... Hey, tudo bem... Não é o fim do mundo, sabia? ㅡ Terminei de fazer o café de olho no envelope, aquele que trouxera tamanho desgosto a si mesmo.

ㅡ Seonghwa, é a segunda vez que eu reprovo. Vou terminar o Ensino Médio com o quê, 30 anos?! ㅡ Ele estava pilhado. Suspirei e levei uma xícara boa até ele. ㅡ Você acha que quem reprova consegue emprego fácil?!

ㅡ Oh, se acalme! Você derrapou, tenta de novo e dessa vez você vai conseguir... ㅡ Ele pegou a xícara deixando minhas mãos livres para fazer carinho em suas costas. ㅡ Talvez você precise de mais esforço, de mais tempo.

ㅡ Não, Seonghwa. Eu vou desistir. ㅡ Ficou olhando pro tampo da mesa. ㅡ É hora de encarar a dura realidade, não posso mais desperdiçar meu tempo e tão pouco os dos meus pais.

ㅡ Choi Jong Ho, não vou deixar você fazer isso. ㅡ Franzi minhas sobrancelhas e ocupei uma das cadeiras vazias. ㅡ Não se dê por vencido assim... Nunca é tarde pra ter um diploma, mesmo que seja do Ensino Médio. Persevere, você sabe o que fazer. ㅡ Olho para o ambiente enquanto a voz de Mercury continuava a nos embalar. ㅡ E além do mais, você já tem um emprego, aqui comigo. ㅡ Sorri amigável, mas ele apenas revirou os olhos.

ㅡ Fala sério, Seong. Isso aqui está caindo aos pedaços. Você sequer pode chamar isso de loja. Está tudo parado, os discos estão se deteriorando cada vez mais... ㅡ Larguei suas mãos com uma careta frustrada.

ㅡ Uy, porque você tem que ser tão sincero? ㅡ Cruzei meus braços. ㅡ Acho que paramos no tempo. Ninguém mais se interessa por discos de vinil, a culpa não é minha se não reconhecem uma arte decente.

ㅡ Ih... Só você quem parou. Dez em cada dez pessoas que entram por aquela porta só procuram por um único artista: Kim Hongjoong. Está na boca do povo, aposto que se vendêssemos as coisas dele aqui a gente ia enricar.

ㅡ Kim Hongjoong? Quem é esse, meu Deus? ㅡ Estampei um semblante confuso. Jong Ho acabou por rir soprado.

ㅡ Esqueci que você é idoso. ㅡ Emperrei meus olhos jogando o envelope amarelo na cara dele.

ㅡ Pelo menos sou diplomado.

ㅡ ... Cruel... ㅡ Fez um bico de falsa ofensa. Tirou o celular do bolso e me mostrou a foto do tal artista popular dos dias de hoje. ㅡ Ele é um rapper, tem umas músicas dançantes e coloridas, o sonho de todas as meninas de Seoul. E os caras, ha, os caras tentam copiar o flow dele, querem roubar o swag... Ele tem tanto dinheiro que ele nunca repete de cueca.

ㅡ Caralho hein... Falando assim você parece uma tiete dele. ㅡ Emperrei meus olhos e Jong Ho ficou corado, afastando o corpo para trás. ㅡ Deixa eu ver uma música.

ㅡ Eu não sou Strawberry não... ㅡ Sussurrou mas consegui o ouvir, não sabia o que diabos era Strawberry, mas pouco me interessava também. Sendo assim, JongHo tirou o disco do QUEEN da vitrola e ao invés de manusear aquele incrível aparato, apenas me deu um fone de ouvido, conectando naquele aplicativo de música chamado Spotify. ㅡ Me diz o que achou.

A voz cheia de sintetizadores encobriam uma batida pertubadora e hipnótica, confesso que a letra da música tinha alguma mensagem boa, mas não conseguia captar devido a tanto detalhe sonoro, os quais meus tímpanos não eram acostumados.

ㅡ Uma POR-CA-RIA. ㅡ Tirei o fone do meu ouvido voltando a me ocupar com o café. ㅡ Não acredito que as pessoas de hoje tenham tanto mal gosto assim!! Puta merda, quando ele superar o Michael Jackson eu vou poder dizer alguma coisa!!

ㅡ Park Seonghwa!! ㅡ Jong Ho acabou por rir alto, não me importava de ser um velho antiquado na casa dos meus 30. Ainda sabia reconhecer um profissional na música e um palhaço que chama qualquer coisa de canção. ㅡ Sinto muito, mas é o que querem ouvir hoje em dia. Todos na cidade são Strawberries.

ㅡ Que raios que é Strawberry, afinal de contas, Jong Ho?! ㅡ Acompanhei sua risada frustrado, até que ouvimos o sininho da porta soar como um cantico celestial. ㅡ Cliente!

ㅡ Appaaaaaa!! ㅡ Ouvi o grito doce e melodioso da minha pequena pimpolha e seus passinhos pelos corredores.

ㅡ Aish, só em sonho que era cliente. ㅡ Jong Ho já revirou os olhos. Se Yu Bin estava presente, certamente que a mãe dela vinha junto. Saí de trás do balcão me fazendo presente e encarando os olhos de Irene com a mesma indiferença.

ㅡ Appa!! ㅡ Peguei a pequena no colo a permitindo cobrir meu rosto de beijinhos. ㅡ Appa, sentiu saudades de mim? Chegamos em má hora?

ㅡ Yu Bin-ah! Mas que surpresa agradável, eu estava morrendo de saudades da minha pitica... Jamais vai ser má hora pra você... Mas parece que alguém aqui está irritadiça...

ㅡ ... Ela 'tá assim porque o namorado dela furou o cinema. ㅡ Yu Bin me confessou ao meu ouvido sorrindo, provocando as minhas risadas também. Irene apenas bufou.

ㅡ A que devo a honra da sua visita?

ARTISTIC GROOVE | ATEEZOnde histórias criam vida. Descubra agora