Irei

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Acabou. O espaço, a esperança, o choro, o tempo. Simplesmente acabou. Não há mais vida em mim, para mim e comigo. Há apenas existência. E uma fúnebre e desgastante existência. Existir é puramente entediante. Não há qualquer beleza na realização deste ofício. Está consumado. Já é chegada a minha hora. Estou acorrentada, trancada, encarcerada. Sendo vigiada por monstros, fantasmas e demônios e todos eles fazem parte de mim. Minha própria composição me atormenta. E se meus fragmentos me atormentam, significa que sou prisioneira de mim? Vá! Jamais ouvi tamanha ironia. Neste momento em que escrevo, sinto minhas veias a se dilatarem. Acho que elas também são monstros e têm algo importante para me dizer. Estou presa para ser protegida ou estou presa por ser uma ameaça? E se sim for a resposta para uma destas perguntas, estou protegida de quê? Sou ameaça a quem? Tenho medo. Tenho muito medo. Aliás, tenho mais medo do que qualquer outra coisa. Não possuo bens, os que possuía ficaram pelo caminho. Em meu corpo, não carrego mais vestes, elas de nada me servem mais e não me refiro às medidas. Aqui, desnuda, faminta e sedenta, compreendi que a serventia das coisas que ficaram para trás não passava de uma mera ilusão. As carreguei por toda a vida e só me deparei com essa verdade quando a vida acabou. Agora, só carrego as dores de uma vulnerabilidade doentia. O peso de uma existência petrificada. Na estrada de tudo aquilo que existe, me entrego à meus medos e deixo que eles me carreguem nos braços para o lugar que é meu por destino, para o lugar que é de todas as pessoas desde o dia em que elas nascem. Irei. Irei porque tenho que ir. Irei porque sou obrigada. Irei. Porém, de nada difere. Já estou sem vida. Nada mudaria se eu não fosse à lugar nenhum.

Eu, ParadoxoOnde histórias criam vida. Descubra agora