São Paulo, 22h41min
O mundo ao meu redor parece distante; os sons ficam cada vez mais longínquos, como se eu estivesse sendo arrastado da sala de cirurgia, e o único sonido presente é o do monitor cardíaco; fino, contínuo e sem pausas, assim com as linhas retas que correm pela tela preta me dizendo aquilo que não quero ouvir. Meu corpo não quer ouvir, nem meus ouvidos, muito menos minha maldita mente... não querem ouvir e aceitar que deixei mais uma vida escorrer por entre meus dedos, mais uma vida que se foi porquê fui incapaz demais de conseguir salvá-la.
Quando me formei em medicina, eu fiz o juramento de salvar vidas. Hoje, depois de inúmeros anos, eu não sei dizer se sou um bom médico ou se estou cumprindo meu juramento. Não quando vejo minha taxa de mortalidade crescer a cada dia, algo que vem se arrastando há um ano afinco. Tirar mais vidas do que salvar não foi o que idealizei para mim e isso têm me deixado mais frustrado e mais desiludido com tudo ao meu redor, principalmente, comigo mesmo.
Aperto a pinça em minha mão, tentando não tremer ou demonstrar minha frustração. Não tenho esse tipo de permissão. Não posso expor meus sentimentos para as pessoas ao redor, uma vez que sou eu o encarregado de dar as piores notícias as famílias, além de ser o superior de todos os funcionários dentro dessa sala.
Daí vêm a fama de que cirurgiões são frios, mas apenas não temos permissão de nos deixar abalar por nossos pacientes, pois se deixarmos, não estamos aptos para a profissão.
Cirurgia e sentimentalismo não combinam.
Ninguém quer um médico que se sinta tocado ou com pena, e sim um que salve sua vida, que não os envie para dentro de um caixão.
Como eu tenho feito.
Chega a ser irônico, visto que nesse momento sou puro e completo sentimentalismo. Quero gritar toda minha frustração e quebrar tudo que meus olhos encontrarem pelo caminho. Embora, minhas forças para qualquer mísera ação sejam inexistentes, e é por isso que minha única atitude é suspirar, baixo o suficiente para não ser escutado.
Puxo a luva que envolve minha mão, e em seguida, faço o mesmo com a manga do avental cirúrgico, encontrando o relógio que envolve meu pulso. Encaro-o por longos segundos e conto até dez, mentalmente, antes de anunciar aquilo que todo médico evita e tem medo de fazer.
Cada vez que digo, parece morrer algo dentro de mim.
— Hora da morte, 22h47min — digo a contragosto. — Pode fechar.
Me sinto sufocado dentro dessa sala e imediatamente sei que preciso sair dela. Caminho apressado pelo ambiente enquanto tiro minhas luvas e jogo-as na lixeira perto da entrada, preparado para sair da área esterilizada. No entanto, antes que eu abandone a sala de cirurgia, oficialmente, ouço uma enfermeira chamar-me para recolher o avental cirúrgico — que por distração, esqueci de tirá-lo — e me entregar meu jaleco que eu havia deixado para trás.
Assinto e faço a troca. Só consigo vestir meu jaleco completamente quando saio da ala cirúrgica e sigo pelo corredor em direção aos elevadores, onde aperto o botão inúmeras e exageradas vezes. E, pensando bem, isso é quase engraçado, porquê é como se, de algum modo mágico, fosse fazê-lo chegar mais rápido.
No mínimo, patético da minha parte.
Arrasto as mãos por minha face, e um suspiro profundo e cansado acompanha o ato. É obviamente, uma tentativa falha de eliminar um pouco da exaustão existente em mim.
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Código Prateado [COMPLETO]
Cerita PendekTheodore Kang é um renomado neurocirurgião do Oswaldo Cruz, o melhor hospital da grande São Paulo, que se encontra em código o prateado. Após fracassar em mais uma cirurgia, Theo vê-se em um apagão no fim de seu turno e no meio disso conhece Maia, a...