Without ground

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- Sofia! - uma voz me grita.

Engulo em seco ao ouvir aquela voz, me viro e vejo Paulo, o homem que deveria ter sido meu pai.

- Sofia, minha filha... - ele sorri e se aproxima, dou um passo para trás e o interrompo.

- Não me chama assim, eu não sou sua filha. O que você está fazendo aqui?

- Sua mãe não te avisou?

- Ela avisou e eu deixei bem claro pra ela que não tinha nenhum interesse em te ver e que não era pra ela te dar o meu endereço ou muito menos o nome do local onde eu trabalhava.

- E ela não deu, eu soube que você foi uma das selecionadas do concurso e desde então tenho procurado ficar mais tempo perto de você mesmo que de longe.

- Por que você faria isso com uma desconhecida? - cruzo os braços.

- Você não é uma desconhecida, você é minha filha...

- Eu não sou a sua filha! - aumento meu tom de voz. - Você deixou isso bem claro quando nos abandonou pra ficar com aquela outra e a filha dela.

- Eu sei que machuquei muito vocês duas, mas por favor, deixa eu me explicar.

Fico em silêncio o olhando e ele prossegue.

- Eu era um idiota. Eu fui um grande babaca com a sua mãe mas você via como era nossa vida, talvez você não se lembre porque era muito nova...

- Eu me lembro sim - interrompo ele. - Eu me lembro muito bem. Principalmente das noites em que a minha mãe passava chorando, das dificuldades que a gente passou, da forma como ela tentava sempre fazer algo diferente e especial no meu aniversário porque nem me ligar você ligava.

Nessa altura as lágrimas de raiva e tristeza já escorriam pelo meu rosto e eu sinceramente não estava ligando em tentar controlar o choro.

- Você traiu a minha mãe e quando ela foi te confrontar você ainda jogou a culpa nela!

- Eu estava cansado da monotonia que era a nossa vida!

- Não é motivo pra você ter traído ela! Nada justifica o que você fez. Não, na verdade a sua falta de caráter justifica o que você fez - me aproximo. - Se você estava cansado da monotonia que era a sua vida e não estava nem um pouco interessado em mudar isso, simplesmente terminava. Não precisava trair, não precisava nos abandonar como se nunca estivéssemos existido na sua vida!

- Me desculpa! - ele se aproxima. - Eu me arrependo amargamente do que eu fiz, agora eu sei o quanto eu fui um canalha com vocês, por favor, me perdoa.

- Muito fácil pedir desculpas agora, não é? Depois de anos sem me procurar, sem se importar em me ver, sem ao menos ligar pra saber como eu estava.

- Eu senti sua falta durante todos esses anos...

- Não. Você não sentiu não. E sabe como eu sei disso? Porque enquanto você estava bancando o pai daquela outra lá, minha mãe estava sendo pra mim o que você nunca foi. E o que você nunca será.

Limpo as lágrimas em meu rosto e me viro de costas para ir embora, mas sou impedida por ele que puxa meu braço.

- Eu sei que talvez nunca consiga o seu perdão e muito menos o da sua mãe, mas eu só quero que você saiba que eu me arrependo muito por tudo.

- Você sabe o que é ser uma criança de apenas quatro anos e ver seu pai indo embora? Você sabe o que é passar todos os dias dos pais ou aniversários olhando pela janela esperando pra ver se você aparecia? E logo depois ir correndo pro colo da minha mãe porque eu sentia a sua falta? Você sabe como eu me senti?

Ele me solta e se afasta engolindo em seco. - Não, eu não sei... Mas você se criou bem, sua mãe fez um ótimo trabalho...

- É, minha mãe me criou muito bem e quando eu tive idade suficiente pra saber de toda a verdade eu fiquei com raiva de mim mesma. E sabe o motivo pelo qual eu fiquei com raiva de mim mesma? Porque eu esperava por você, porque eu chorava por um cara que não se importava comigo, porque eu sentia falta de um cara que nunca mereceu o amor da minha mãe.

- Acho que desculpas nunca vai ser o suficiente...

- Não. Não vai ser. Porque as suas desculpas não vão fazer a gente voltar no tempo pra você consertar o seu erro.

- Tudo bem, eu entendo... - se afasta mais um pouco. - Eu vou indo... Na semana que vem eu volto pra Argentina, eu sei que você não vai mudar de ideia, mas se caso quiser me ver, meu telefone e meu endereço estão com a sua mãe.

- Minha mãe é uma pessoa muito boa por ainda ter uma conversa civilizada com você depois do que você fez.

- Eu fui um idiota por ter perdido vocês duas.

- Você perdeu porque quis. Nós poderíamos ser uma família até hoje, mas você preferiu fugir da "monotonia" que estava sendo sua vida.

- Se eu soubesse que anos depois eu iria ser largado pelas pessoas que eu escolhi como minha família, você pode ter certeza que eu nunca teria abandonado vocês.

- Pra você ver como o destino brinca com as pessoas, não é? Eu sinto muito pela sua mulher ter te largado, mesmo que você não mereça o meu perdão e muito menos o da minha mãe, nós duas sentimos muito pelo o que ela fez com você. Ninguém merece ser deixado pela pessoa que ama.

Ele fica em silêncio, estava se segurando para não chorar, as lágrimas em seus olhos prestes a escorrer demonstravam isso, meu coração naquele momento se apertou, ao mesmo tempo que a raiva e tristeza consumia metade do meu corpo, a outra metade, o meu lado criança gritava pra eu abraçar ele bem forte.

Até os meus onze anos eu imaginava como seria rever ele, como eu me sentiria, o que ele faria, e agora, quando esse reencontro finalmente acontece, eu fico dividida entre ir embora ou ficar.

Mesmo com toda raiva e decepção, lembranças do nosso tempo juntos passavam pela minha mente, todas as vezes que eu ouvia um "eu te amo" saindo da boca dele, todas as vezes que ele me dava um beijo na testa antes de eu dormir e também a vez que ele foi embora. O dia que minha vida virou do avesso. O dia que eu havia perdido a pessoa que era pra ser o meu herói.

- Caso você quiser me fazer uma visita...

- Caso eu queira falar com você novamente eu peço para minha mãe seu endereço ou seu número.

- Espero que você queira... - suspira. - Tchau, pequenina - ele se vira e sai andando.

"Pequenina" era como ele me chamava quando eu era criança, ele dizia isso porque segundo ele, os dias se passavam mais eu continuava do mesmo tamanho.

Respiro fundo passando as mãos pelo meu rosto secando as lágrimas que ainda insistiam em cair.

Eu estava literalmente sem chão.

Ando o mais rápido possível até meu prédio, subo para o meu andar e entro em casa.

Olho em volta e começo a procurar onde Melissa havia deixado a chave do carro.

Nós não costumávamos sair muito de carro, e quando saíamos era sempre ela que dirigia, já que segundo a mesma, eu era um perigo atrás do volante.

Vou até seu quarto e acho a chave em cima de sua cômoda, pego e saio em seguida de casa.

Eu só queria sair por aí, esfriar a cabeça, pensar, beber, não me importava, eu só precisava sair imediatamente dali, eu só precisava me livrar de tudo o que estava sentindo.

Seria uma bela hora pra sumir do mapa.

Two WaysOnde histórias criam vida. Descubra agora