Parte Três

903 160 110
                                    

Alerta de Gay Panic!

Enquanto eu voava pela rua carregando o peso de todas aquelas compras, tentando chegar em casa o mais rápido possível e respirando o menos intensamente que os meus pulmões permitiam, uma única coisa passava repetidamente na minha cabeça:

Eu dei o meu telefone para uma menina bonita. Eu dei meu telefone para uma menina bonita no mercado. Eu. Dei. Meu. Telefone. Para. Uma. Menina. Bonita.

Eu gritaria, mas já havia gastado minha energia para isso quando a Catarina pegou a minha maçã na baia do mercado. O que me lembrou que eu nem terminei de escolher as maçãs e acabei só passando duas no caixa e minha avó ia reclamar o resto da semana e escrever DOZE MAÇÃS em letras vermelhas garrafais na lista da semana que vem.

Mas paciência, Duda, paciência. MEU DEUS EU DEI MEU TELEFONE PARA UMA MENINA BONITA!

Subi as escadas do prédio na velocidade de um raio e dei o sinal para minha avó deixar o álcool em gel na pia da cozinha e fechar a porta enquanto eu esperava na entrada de serviço.

Graças a quantidade incontável de vezes que eu já havia executado aquele ritual, fui capaz de segui-lo quase que por instinto enquanto aquilo martelava na minha cabeça com mais empenho do que aquela música da Xuxa ─ em que o Guto bate com um, dois, três, TRINTA martelos, sabe?

─ Parabeeeens pra vocêeeee! ─ eu dei meu telefone para uma menina bonita ─ Nesta daaaataa queridaa!

─ Duda, minha filha, você tá levando essa história de parabéns pra você a sério demais dessa vez. ─ minha avó gritou para mim por trás da porta da cozinha enquanto eu lavava as mãos.

Talvez eu, de fato, estivesse cantando um pouco mais alto que de costume. E talvez, apenas talvez, eu só estivesse tentando cantar mais alto que o meu gay panic para conseguir sossegar meu desespero. Um spoiler: não funcionou.

Limpei todas as embalagens na velocidade da luz ─ ah, vai, na velocidade do som, pelo menos? ─ e acomodei-as nos armários antes de deixar meu casaco roxo pendurado para tomar ar na área de serviço e correr direto para um banho demorado e desinfetante.

Minha avó mal viu eu passar correndo da cozinha para o banheiro, e eu tampouco fiz questão de anunciar isso. Aquela velha me conhecia mais do que qualquer pessoa no mundo e ela ia sacar de cara que havia algo errado. E a última coisa que eu precisava era ela comemorando meu potencial desencalhe ─ principalmente agora que ela era o único contato social olho no olho que eu tinha.

A porta do banheiro bateu com um baque alto, e eu fechei os olhos ao mesmo tempo que ouvi minha avó gritar da sala:

─ Vai, quebra tudo mesmo!

Contive-me a revirar os olhos, encarando-me no espelho e tendo a visão do meu rosto desesperado pela primeira vez desde que cheguei em casa.

─ Se controla, Duda. ─ apontei o dedo pro meu reflexo ─ Vê se toma tento, tu tem vinte e dois anos, mulher!

Mas se idade significasse alguma coisa só ia existir psicólogo infantil, não é verdade?

Deixei escapar um suspiro, abrindo o chuveiro e torcendo para a água quente lavar aquela minha cara de socorro-vó-eu-tô-em-desespero junto com toda e qualquer possibilidade de contaminação por vírus que existisse na minha pele.

Catarina. Agora que ela tinha o meu número de telefone, será que ela ia mandar uma mensagem mesmo? Porque, sendo muito sincera, eu teria medo de entrar em contato com alguém que grita sem pudores na sessão de hortifruti de um mercado.

Amor em tempos de pandemia [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora