Parte Dez

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Quando eu fiz uma proposta não planejada e surpreendentemente deu certo

Meus olhos me olhavam do espelho com um misto de nervosismo e ansiedade. E havia passado a ser assim. Numa semana eu ia ao mercado pensando apenas no que podia dar de errado. E aí na semana seguinte eu quase atropelei a Catarina com o carrinho. Na outra semana fizemos compras juntas. E havia sido assim desde então, toda terça-feira entre dez e meia e onze e quinze da manhã.

Logo o mercado deixara de ser apenas um espaço de potencial contaminação e se tornara o lugar onde eu podia vê-la. Ainda que fosse de máscara e a um metro e meio de distância. Ainda que eu não tivesse tido a chance de ver aquele sorriso ao vivo, mas apenas pelas chamadas de vídeo que passamos a fazer semanalmente.

Já havia se passado mais um mês e absolutamente nada dava sinal de que a vida retornaria como era antes. Não havia uma centelha de esperança de que as coisas fossem normalizar tão cedo. E isso só fazia o que eu sentia por Catarina me dilacerar toda vez que eu a via e pensava que não podíamos estar fisicamente juntas.

Catarina (mercado): Logo, logo.
Não pensa muito nisso que passa mais rápido.

Maria-Eduarda-Digo-Duda: Essa lógica não tem ajudado.

Catarina (mercado): Mas é só o que a gente tem.

Maria-Eduarda-Digo-Duda: EU NÃO AGUENTO MAIS!
AAAAAAAAAAAAAAAA.
:(

Catarina (mercado): KKkk.
Duda, sério.
Eu sei que é uma merda! Eu tô vivendo isso também, não tô?

Maria-Eduarda-Digo-Duda: Eu sei, Cat. Desculpa. Não acordei bem hoje.

Catarina (mercado): Acontece.
Já pensou em fazer terapia?

Talvez eu devesse, de fato, foi o que pensei logo depois que havíamos tido aquela conversa. E fui atrás disso assim que pude, porque se tinha uma coisa que Catarina sabia ser, essa coisa era persuasiva. Ao menos comigo, porque não havia uma coisa que ela falasse para mim que eu teria coragem de ao menos não considerar.

Então, naquelas três semanas, passaram a ser Catarina, minha avó e a Viviane na minha vida, essa última por apenas cinquenta minutos todas as quintas-feiras. E por mais que a psicóloga não tivesse melhorado magicamente a minha vida ─ afinal de contas, estamos falando de uma profissional formada e com CRP, não de uma bruxa com pactos sagrados ─, estava sendo uma boa experiência.

E assim, na chegada de mais aquela terça-feira, eu segui todo o meu ritual pré-mercado sentindo as borboletas dançarem no meu estômago com a expectativa de ver a Catarina. Como jamais havia deixado de acontecer, não importava o quanto a gente tivesse se falado ou o quanto havíamos dividido.

Abri a torneira do banheiro e lavei o rosto, saindo de lá e encontrando minha avó a me esperar com meu casaco roxo favorito, as ecobags e minha máscara vermelha de bolinhas brancas. Ela me entregou tudo, incluindo a lista, e me empurrou porta afora como era costume.

E então eu atravessei as ruas com o capuz sobre a cabeça e respirando o menos possível, porque talvez eu não soubesse mais respirar normalmente fora de casa. E me perguntava todos os dias como seria quando a vida realmente voltasse ao normal e eu precisasse sair na rua de verdade.

Mas tudo aquilo foi embora quando, depois de desinfetar as mãos e a barra do carrinho no álcool em gel que era oferecido na entrada do mercado, eu a encontrei me esperando logo depois dos caixas.

─ Bom dia, gata. ─ ela falou, por trás da máscara preta que combinava com seu vestido da mesma cor e a jaqueta jeans.

Catarina era sempre assim. De acordo com ela mesma, não gostava nem de ir comprar pão sem uma roupa bonitinha, como gostava de falar. O argumento era que, se já havia gastado o seu dinheiro com aquilo, então que fizesse valer a pena.

Amor em tempos de pandemia [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora