back to the place where it all began

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[11:03 p.m, 19 de Julho de 2009 NY]

Morar em Nova York me traz coisas que acho que nenhum lugar do mundo conseguiria, ando por toda cidade com a minha bicicleta — estou quebrado demais para gasolina — passando pelas estreitas ruas do meu bairro e pegando a sombra da inconfundível arquitetura nova-iorquina com prédios de gabarito não muito alto feitos de tijolos avermelhados e com escadas de emergência em ferro na cor preta.

Sinto o vento no meu cabelo balançando os pequenos cachos da ponta — estou há um tempo sem cortar — ele vai entrando pelos rasgos da  velha blusa branca que uso me arrepiando, a alça da minha bolsa preta com a máquina fotográfica e seus acessórios atravessam o meu peito, lógico que se estivesse de carro estaria mais confortável, mas tem coisas que você só observa de bicicleta. Pedalar por Brooklyn Heights enquanto escuto Nine in The Afternoon no meu pequeno IPod verde escuro me faz perceber que por mais suja e estranha que essa cidade seja eu amo morar aqui, não trocaria por nada. Me sinto tão tranquilo que me levanto do banco e apoio os pés nos pedais, me movimentando sem nenhum esforço, fechos os olhos e canto baixo "you could cause you can so you do, we're feeling so good just the way that we do", sinto o vento nas minhas pálpebras fazendo com que meus ralos e quase imperceptíveis cílios loiros dancem.

Decido pegar o caminho mais longe através do parque, o céu está limpo e o sol não muito forte, é um dia bonito. Me sinto extremamente privilegiado com a vida que tenho, queria ter entrado na faculdade, mas não fico mais tão abalado com o que o destino me entregou.

Sempre vivemos na Costa Leste, toda a infância e adolescência em Richmond - Virgínia, quando terminei o ensino médio saí para comemorar com alguns amigos, Ashton morava no dormitório da faculdade e não estava em casa para me controlar — seria melhor se estivesse — bebemos escondido e lotamos o carro, éramos seis. Eu fiquei internado por alguns meses e perdi a entrada na faculdade. Dois amigos morreram e um ficou paraplégico. Não tem nada a se comemorar nessa história, fui idiota e completamente irresponsável, não consigo imaginar a culpa que sentiria se alguma pessoa aleatória que estava só passando na rua se machucasse, felizmente não aconteceu e acordei bem. Na época, depois de voltar pra casa, não conseguia sair do quarto de tanta vergonha, frustração e dor, foi quando Ashton arrumou um emprego na cidade e queria alugar um apartamento entre o trabalho e a faculdade, ele sabia como eu estava mal e não conseguia andar pelas ruas do nosso bairro, então me chamou para morar com ele.

Chego no meu prédio e deixou a bicicleta no subsolo, subo rápido e já consigo ouvir as risadas de Michael ecoando no corredor. Nosso apartamento é ridículo de tão pequeno e entulhado de coisas, tirando os computadores e videogames tudo é de segunda mão, mamãe nos deu sua geladeira velha e vovó o sofá da sala, mobiliamos o lugar todo comprando em brechós, bazares, vendas de garagem ou até mesmo no mercado de pulgas — alguns dizem que é um conceito, mas é só falta de dinheiro. No final o lugar não é de todo mal, Joralemon St com a Sidney PI, é perfeito pra mim e o Ash, ele consegue pegar o metrô pra faculdade e ir andando até os Correios onde trabalha, eu consigo ir nos ensaios de bicicleta ou carro e ir andando pra Faculdade Estadual do Brooklyn onde faço alguns cursos comunitários, no começo eu trabalhava no Subway na esquina da nossa rua, agora as fotografias conseguem pagar minhas contas.

Sempre sonhamos em morar aqui, quando Ashton passou para cinema na NYU e eu continuei em casa pensei que nunca mais conseguiria, mas o universo e meu querido irmão me deram uma segunda chance. Juntamos todo o dinheiro que tínhamos e nos mudamos juntos, por um tempo mal conseguíamos comer, mas depois as coisas começaram a dar certo. Vivemos no aperto contando cada moeda da carteira, mas vivemos nosso sonho. 

— Bom dia, rapazes — como de costume Calum e Michael estavam no sofá, cada um em seu laptop e Ashton na mesa ao lado da porta de entrada, onde colocamos nossos computadores e pateticamente chamamos de "escritório" — estranho ver vocês acordados tão cedo.

THIN WHITE LIES - lrhOnde histórias criam vida. Descubra agora