why do we like to hurt so much?

210 34 229
                                    


Todos os dias nós trocávamos mensagens ou fazíamos ligações de horas a fio. Eu mandava cartas, mesmo odiando a minha caligrafia infantil em comparação com a dela, cartões postais, imãs de geladeira — o quanto mais cafona melhor — mandava livros desde Sidney Sheldon  e Mattew Quick a Alan Watts e Ram Dass, temos alguns gostos parecidos e outros totalmente opostos, às vezes nos completamos como giz e um quadro negro e às vezes somos diferentes como café preto e leite gelado, mas tudo bem porque eu até gosto de frapuccino.

Me lembro de uma noite que voltei de um trabalho — ainda não era muito tarde, mas o sol já tinha se posto — subi as escadas esticando minhas longas pernas, dois degraus por vez como de costume. Ashton estava na casa da sua namorada, ia passar a noite lá, me lembro de entrar, acender as luzes e colocar minha bolsa sobre a mesa bagunçada perto da porta. Eu estava extremamente cansado e minhas panturrilhas ardiam de tanto pedalar, me abaixei na frente do velho rack da sala que mamãe deu, foi comprado nos anos 50 quando nossa avó se casou e a mamãe nasceu, eu sempre o achei lindo, era pequeno e bem simples, um amadeirado claro e nas extremidades tinham duas portas quadradas com uma espécie de fibra trançada, uma palhinha. Me dava uma doce sensação de nostalgia: acordar cedo e assistir desenhos da Hanna Barbera com o Ashton que o papai colocava na fita VHS.

Passo a ponta dos dedos nas manchas de xícara de café no topo do rack — mamãe ficaria furiosa de saber que a terceira geração já está estragando tudo — sento-me no tapete e abro a porta do lado esquerdo onde guardamos os nossos vinis, vou olhando um por um ainda não sabendo o que quero ouvir até que pego Don't Shoot Me I'm Only The Piano Player, levanto e coloco no toca discos que Cal nos deu como presente de mudança. Quando Daniel começa a tocar eu me movimento pela sala balançando os ombros no lento ritmo da música, aumento o volume e entro no chuveiro, deixo a porta do banheiro aberta para conseguir ouvir a música tocar.

Saio do banho e as faixas vão passando, já sei a ordem de cabeça, ao chegar na metade pro fim da faixa 8 ligo para Sabrina, eu sei que ela ama a próxima.

Alô — ela responde.

— Pare o que você está fazendo agora e dance comigo — coloco a ligação no viva-voz, aumento ainda mais o volume e apoio o celular na bancada da cozinha — I remember when the night was young, me and Susan had so much fun...

Holding hands and skimming stones, had an old gold Chevy and a place of my own — ela continuou rindo

But the biggest kick I ever got was doing a thing called the Crocodile Rock — eu cantava fazendo graça ao imitar a voz única de Elton, continuamos cantando e rindo.

Quando o refrão chega eu canto alto com todo o ar dos meus pulmões fazendo Sabrina gargalhar, levanto o calcanhar e giro meu corpo usando apenas a planta dos pés, mesmo de meias consigo sentir o frio do gelado porcelanato azul escuro da cozinha.

Estou genuinamente feliz sacudindo meus braços no ar e as pernas dentro de um moletom preto com finas listras cinzas, sacudindo o cordão branco que segura a calça em meu quadril, balanço a cabeça pra frente e para trás, mechas loiras onduladas caem no meu rosto, mas eu jogo meu cabelo para trás fazendo com que fique por cima do capuz do casaco que cobre minha cabeça.

Luke, eu preciso desligar, tenho muito trabalho a fazer, me desculpe — Sabrina fala tentando soar mais alto que a canção — Luke, está me ouvindo?

— Oi, oi — digo ofegante de tanto dançar — Poxa, queria que ficasse mais um pouco, na verdade queria que tivesse aqui dançando comigo, meu bem. Enfim, tudo bem, nós falamos depois, beijo.

THIN WHITE LIES - lrhOnde histórias criam vida. Descubra agora