Ocean Eyes

7. EU ESTOU TÃO ENTEDIADA

Assim que chegaram em Londres, Villanelle teve o cuidado de entrar em contato com Carolyn através de um telefone descartável e explicar o que tinha acontecido durante a missão de resgate, por bem ou por mal, Carolyn acionou o serviço de proteção à vítimas e testemunhas que faria a guarda de Irina e de Niko, caso a retaliação dos Doze sobrasse para eles também. Depois disso, a russa organizou alguns documentos e passaportes que ela e Eve usariam de agora em diante. Permanecer em Londres, ou em Barcelona (no apartamento da loira), seria suicídio.

Em pouco mais de três horas as duas mulheres estavam em um voo direto a caminho de Carrickfergus, uma das cidades mais antigas da Irlanda do Norte, o primeiro lugar escolhido como rota de fuga. A preferência pelo local foi feita por Villanelle, certa vez ela visitou Belfast (capital do país, localizada a 30min de Carrickfergus), dito de outra maneira, há alguns anos ela foi enviada pra lá com o objetivo de matar o ex-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, tarefa que executou com sucesso, óbvio. Eve não se impôs ao destino, embora tivesse torcido o nariz quando soube que elas enfrentariam uma temperatura mais fria e úmida que a da Inglaterra.

Quando chegaram à cidade, Polastri meneou a cabeça em sinal de aprovação, aquela tinha sido uma boa ideia. Carrickfergus era uma cidade pequena e bonita, se não fossem as circunstâncias, a paisagem cercada por castelos e outras estruturas medievais seria extremamente romântica, pensou Eve. Talvez ainda fosse.

Antes, no aeroporto, ela e Villanelle escolheram um apartamento pelo airbnb. Outra vez Eve balançou a cabeça em sinal de aprovação, o espaço era aconchegante, bem iluminado e com uma vista incrível que dava para o mar da Irlanda. Tinha uma cozinha bem equipada, uma sala, um quarto grande com piso de madeira, que passava a sensação de ser muito acolhedor, e um banheiro ao lado, com uma banheira maravilhosa.

As duas estavam exaustas e encerraram o dia com uma pizza, duas taças de vinho e um banho relaxante na banheira. Acordadas há quase 36h desde a missão na floresta, Eve passou o braço por trás do pescoço de Villanelle e trouxe-a para perto de si, abrigando a russa sobre o peito. Não demorou muito para que elas pegassem no sono.

***

Quinze dias se passaram desde que saíram de Londres e agora elas já tinham uma espécie de "rotina". O dia começava com um bom café da manhã irlandês (Irish breakfast) feito por Villanelle, na maioria das vezes, uma reunião de ovos fritos, salsicha, tomate e pão de batata. Não era segredo pra ninguém que Eve tinha pouca ou nenhuma habilidade na cozinha, mas a coreana tentava agradar com café, smoothies e omeletes duvidosos.

Após o café elas passeavam pela cidade à procura de algum museu ou castelo vitoriano, inclusive chegaram a fazer o passeio pelas locações de filmagem de Game of Thrones, mas a verdade é que Villanelle se entediava fácil e o passeio se restringia a: Villanelle correndo atrás das gaivotas – Villanelle fazendo careta para as crianças – Villanelle gritando "que tédiooo!" - Villanelle se machucando sem querer na Calçada dos Gigantes.

Eve sabia que não seria fácil e vez ou outra lembrava da loira dizendo: "Na maioria dos dias, eu sinto...nada. Não importa o que eu faça, não sinto nada. E eu tento encontrar maneiras de me fazer sentir algo, mas não faz diferença. Eu me machuco e isso não machuca, eu compro o que eu quero e não quero mais. Eu faço o que eu gosto e não gosto mais. Eu estou tão entediada".

O que Eve não sabia é que, apesar de não sentir boa parte das coisas como uma "pessoa normal", o mundo de Villanelle virava de cabeça para baixo quando elas andavam de mãos dadas.

O vazio crônico também era preenchido quando a russa cozinhava. Eve percebeu que a preferência pela clássica Sheperd's Pie acontecia porquê a loira escolhia uma peça grande de carneiro apenas para cortá-la grosseiramente com um cutelo. Esquartejar e moer aquele pedaço de carne lhe dava muito prazer, a sensação de matar algo se limitava a isso, pelo menos por enquanto.