Capítulo 34

1.1K 87 51
                                    

34

Jantar de Aniversário

MILA

Com exceção das mensagens constantes da minha tia, checando se estou bem e me lembrando de tomar os comprimidos que ela mesma separou e guardou na minha mochila, do tremor involuntário na minha mão esquerda junto da sensação de anestesia na direita ao copiar matéria do quadro, a volta ao colégio é comum ao passo de ser roteirizada.

Luiza e eu continuamos confortáveis extinguindo a presença uma da outra. Olivia não troca mais do que um oi comigo. Logan e Amanda sorriem para mim quando nos cruzamos no corredor. Ethan passa o intervalo com a Emma enquanto me escondo na biblioteca, prolongando uma conversa com Caleb.

Ele não ter me procurado facilita isso.  

Ao chegar em casa o roteiro está escrito em turco. Rô não me deixa voltar sozinha do colégio, logo, ela pediu para meu pai me buscar. O que ele estava apressado em fazer, como se quisesse riscar logo a tarefa da agenda e eu tento entender ele, com fracasso. Enquanto ele não me dá nenhuma cor, eu penso em maneiras de filtrar de azul o dia dele. 

Você percebe que piora o dia das pessoas ao seu redor, não percebe? Como pode achar que seria boa para alguém?

Pensamentos assim surgem o tempo todo. Sou eu, eu criei o hábito de me diminuir, de me tornar incapaz. É exaustivo conviver com essa voz, contradizê-la e vender. 

Posso pintar o céu de alguém de azul, rosa, turquesa, amarelo e neon. Ao menos eu quero, e isso importa. Ao menos deve somar algo de bom. Eu não sou uma pessoa ruim.

Pensar assim ameniza a inimiga que tenho do lado de dentro. Desconheço por quanto tempo consigo aguentar. A ideia de que tudo vai passar é bonita, mas sem perspectiva.

Um dia de cada vez.

Enquanto tento mudar forçadamente minha frequência, meu pai continua respondendo e-mails. Os remédios trancados em uma gaveta devem dar a sensação de segurança para ele agir sem me notar. Não ter a chave para essa gaveta também me dá uma segurança.

Respiro fundo, mentalizando:

É diferente, tudo é diferente quando não se está ansiosa ou depressiva e você vai chegar lá. É diferente, tudo é diferente quando não se está ansiosa ou depressiva, você vai chegar lá.

A tarde, Rô me leva para sessão de terapia e me espera até ela acabar. É nessa hora que eu percebo que ela perdeu a confiança em mim. Não acredita quando digo que estou bem, prefere me vigiar para ter certeza. Eu nunca vou culpa-la por isso.

A noite, quando meu pai já voltou para o seu quarto de hotel, ela me pede para dormirmos juntas de novo. Isso machuca mais a ela do que a mim, eu sei.

No colégio, um dia depois, o roteiro é roubado, isso me alivia. Me juntar ao Ethan em uma fuga da apresentação final de teatro, e do resto de tudo naquela escola e fora dela, é a minha liberdade do medo de travar no palco e receber risadas. Fugir foi a coisa corajosa a ser feita nesse momento. Sem apressar meu tempo. 

Um dia de cada vez.

E, com isso, descobri que gosto de dizer sim para o Ethan. Me faz sentir normal. Nada além de uma adolescente boba com a cabeça no lugar, ouvindo músicas por duas horas na estrada.

A praia tem um filtro diferente quando está gelada. As pontas do dedo congelam ao alcançarem uma onda. Casas grandes pintadas de pastel ficam pertinho da areia desértica e me dão a leve impressão de estar em uma Califórnia Vintage sem precisar fechar os olhos. Deve ser bom morar em uma dessas casas para ver estrelas surgindo no céu todos os dias com uma brisa limpa. 

Era Amor Ou Uma Aposta?Onde histórias criam vida. Descubra agora