Capítulo 38 - Parte II

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Parte II

Dois fodidos da cabeça

MILA


— Minha psicóloga disse que eu tenho propensão pra ficar emocionalmente dependente de alguém e eu não consigo afastar essa ideia da minha cabeça.

— É por isso que você tá tão quietinha? — Caleb pergunta, limpando as gotas de café que respingaram no balcão. Eu dou de ombros e o que ele diz em seguida é mais calmante que o chá de camomila que esfriou e eu me forço a tomar. — Vai ficar tudo bem. Se você conseguiu perceber que pode desenvolver essa dependência, você também consegue trabalhar isso em você.

— Como?

Eu tenho mais do que a sensação ruim de que o Ethan vai terminar comigo logo e isso me assusta de uma forma que não faz bem.

— Eu não sou a melhor pessoa pra dizer. Mas se quiser desabafar, eu tô aqui. — Ele segura meu pulso, suas boas intenções são sentidas na pele áspera da palma da sua mão.

— Eu não quero incomodar. Além disso, eu tenho que ir daqui a pouco. Minha tia marcou uma consulta de fisioterapia e eu não posso me atrasar.

— Você continua com aqueles tremores?

Balanço a cabeça em afirmativo.

Se eu puder fingir que isso não está acontecendo, eu faço e repito. Estou estocada nesse padrão de negação com notícias ruins e elas estão por qualquer beco.

Faz uma semana que meu novo médico disse que os tremores constantes na minha mão não vão desaparecer com ignorância positiva.

É um ano de fisioterapia para pintar sem nenhuma precisão linhas tortas, o que me deixa em caquinhos condicionados a continuar. Um ano sem desenhar e sem ir para faculdade de arquitetura.

A causa? É simples e podia ser evitada. Uma overdose com parada respiratória de 04 minutos. 04 minutos que danificaram minha coordenação motora e memória de curto prazo, deixando minha tia com cansaço de noites sem dormir. Mais 04 minutos e provavelmente eu estaria em um coma, o que me aterroriza até os ossos e é o assunto protagonista na terapia.

— Meu expediente termina daqui uns 15 minutos, se você quiser eu posso ir com você e depois podemos fazer algo pra te distrair, o que você quiser.

— Não precisa, vai ser chato e demorado.

Apesar do espiral de horas ruins para as quais eu o suguei, Caleb é sutil e amigável comigo. Minha terapeuta disse que eu posso aceitar as gentilezas dele sem me diminuir, mas é desconfortável quando não fiz nada para merecê-las.

— Eu não me importo e pode ser bom pra você, ter alguma companhia. Mas se não quiser, não tem problema também.

Você quer e merece carinho, Mila. É o que ela me disse.

— Tá bem, pode ser legal.

E eu cedo, gostando de ser valorizada por alguém que se enfiou na minha vida o suficiente para ter feito a escolha de sair dela, mas não fez.

Caleb inverte a plaquinha de aberto para fechado e eu o ajudo a limpar as mesas para sairmos mais cedo. Esse café vazio é o mais aconchegante até que a silhueta dele reflete atrás do vidro e atravessa a porta, trazendo uma indisposição que me enche da vontade de me beliscar para ser cômodo. Porém, não me machuco dessa maneira. Não mais.

Era Amor Ou Uma Aposta?Onde histórias criam vida. Descubra agora