"ESTE É O NICOLAS. ELE VEIO DE SÃO PAULO."

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     A professora Inês apresenta o menino que já é três palmos mais alto do que ela. Loiro, olhos claros, peito inflado, acaba de entrar na escola. Lucas se sente intimidado. Tenta não olhar diretamente, não cruzar olhares, não demonstrar interesse – um daqueles meninos que pode se juntar ao coro dos que alopram com ele na volta para casa. Mais um para chamá-lo de viadinho.

     Lucas poderia se sentar na primeira fileira da classe, mas não quer ficar à vista de todos. Lucas poderia se esconder no fundo, mas é lá que os mais zoeiras se sentam. Lucas se senta no meio de uma fileira, no canto esquerdo da sala, nada digno de nota. É onde se encaixa, não é o primeiro da classe, está longe de ser dos piores. O que ele pode fazer para passar despercebido, ele faz e não é o suficiente. O olhar, o modo de respirar, os trejeitos, a maneira de tirar a franja do rosto denuncia algo que ele não controla.

      Não consegue controlar também o olhar para Nicolas. Deve ser filho de alemão, de escandinavo, um olhão azul daqueles, lembra até os olhos da Ellis, puxa. Lucas nota os risinhos abafados das meninas, a postura de alerta dos meninos. Nicolas chama a atenção de todos, isso é claro, não poderia deixar de chamar a dele também, nada demais.

     – Pode falar um pouquinho de você, Nicolas? – a professora pede.

      O menino dá de ombros.

      – Meu nome é Nicolas, vim de São Paulo, estou na classe de vocês...

      A classe ri. Ri com ele, não dele. Dá para ver o olhar de simpatia na cara de todo mundo, como se concordassem: “É, que idiota essa professora, pedir para você se apresentar.” Claro, ele é loiro, alto, forte. Até a professora Inês abre um sorriso de simpatia.

     – Não quer contar um pouco das coisas que gosta de fazer? Por que se mudou para cá? – ela insiste.

     – Não, tô de boa. – Mais risos solidários.

     – Nicolas é faixa preta de caratê, já ganhou alguns campeonatos; temos um atleta na sala! – ela toma a iniciativa por ele. Se tinha algum menino que ainda pensava em zoar com o novato, agora não tem mais. – Só espero que também seja aplicadinho nos estudos. – Ela termina e o toca atrás da cabeça, o empurrando gentilmente para se sentar.

     Felizmente Nicolas se senta lá na frente, de costas para Lucas, e ele pode voltar o olhar à sua lição. Quer dizer, mais ou menos... O olhar está na lição, a mente está longe, indo até o menino algumas carteiras à frente, e além.

     “Nicolas veio de São Paulo”, Lucas reflete. Que foi fazer numa cidadezinha de merda daquelas? Bom, talvez quando você é loiro, alto, forte e bonito você possa ir para qualquer lugar, sinta-se em casa em qualquer lugar, qualquer lugar recebe você bem. Lucas pensa o que aconteceria se fizesse o caminho inverso. Fosse para São Paulo. Uma nova escola. Começar do zero. Poderia encontrar sua turma, seria deixado em paz ou tudo se repetiria de novo? Sua franja seria a mesma, fora de lugar, seu lugar seria o mesmo, seus trejeitos. Ele seria a mesma pessoa e provavelmente passaria pelos mesmos tormentos. Ele não pode escapar de si mesmo.

     – Psiu, Malucas, psiu, Lucas! – cochicha Vinícius numa cadeira ao lado e logo atrás. Afe, “Malucas”, ele odeia aquele apelido. – Qual é a resposta do três, caralho? – fala ansioso e abafado, tentando colar do caderno de Lucas, nervoso por Lucas estar disperso da lição.

     Lucas franze a testa. – Isso é só um exercício, não vale nota! – Lucas argumenta entre os dentes. Por que esse moleque está sempre tão acelerado?

     Vinícius acerta um tapão na nuca de Lucas.

     – Ajuda aqui, arrombado!

     A professora Inês nota a agitação dos dois meninos e chama a atenção. – Lucas, Vinícius, terminem a lição em silêncio, por favor, não atrapalhem os colegas.

     – Desculpa, psora – responde Vinícius. E quando ela abaixa o olhar, ele avança e puxa o caderno de Lucas para sua mesa, para copiar.

     Sério? Lucas não fez ainda nem metade da lição. Aquilo não vale nota, é só para preparar para a prova mesmo. Qual é o sentido de copiar de um colega?

     Lucas decide não reclamar, para não criar mais atrito. Fica sentado olhando para a lousa, esperando Vinícius terminar de copiar do seu caderno. Seus olhos migram para as costas de Nicolas, a nuca, o cabelo loiro raspadinho... Paga pau da gringaiada que eu sou, pensa. Não pode negar a atração que um cabelo loiro e um par de olhos claros exercem sobre ele. Bah, os outros meninos jamais diriam, mas qualquer um pode ver que Nicolas é um garoto lindo, Lucas não precisa mentir para si mesmo. Gostaria só de ser amigo dele, estar perto, poder trocar umas ideias. Sem chance disso acontecer. Lucas não dá uma semana para Nicolas já estar encaixado no grupinho dos fodões. Se ele o deixar em paz já vai ser uma conquista. Tudo o que ele pode desejar de Nicolas é desprezo.

Lucas e Nicolas  Onde histórias criam vida. Descubra agora