"BICHA, BOIOLA, VIADINHO."

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     Os gritos acompanham Lucas na volta para casa. Como eles sabem? Lucas não tem certeza. De nada. Segue cabisbaixo, curvado, quase invisível, mas eles veem. Ele se pergunta o que nele chama tanta atenção assim. Tá, usa calça skinny, tem a franja comprida caindo no rosto, mas isso é o visual normal de qualquer adolescente um pouco mais... descolado. Deve ser alguma coisa no jeito de andar, talvez sintam pelo cheiro. Não dizem que cachorro bravo fareja o medo? Que você deve morder a ponta da língua para o cachorro não sentir...? Lucas morde a ponta da língua, segue cabisbaixo, mochila nas costas. Mas os moleques com quem ele cruza no caminho sempre o chamam de viadinho. Ele não responde, não quer arrumar briga. Enquanto ficar só nos xingamentos, tá beleza. Lucas sabe que o melhor é fingir que nem ouviu.

     Está com fone nos ouvidos. A música está ligada e está alta. O som é Marilyn Manson – ele espera poder transmitir algo da agressividade do cantor. Quem sabe o chiado que escapa estourando dos fones possa ser captado pelos outros, a guitarra pesada – não vai ser flagrado em público ouvindo Lady Gaga. Ainda assim... Ele escuta, ele lê os lábios, ele ouve os xingamentos a cada pausa. Dói como um tapa e ele finge nem ligar. É assim em toda volta para casa.

     Cruza o olhar com o tiozinho da banca de revista. Ele também ouviu os xingamentos. Lucas fica constrangido – nem sabe o nome do cara, mas o conhece desde pequeno, quando ia lá comprar figurinhas e HQs. Agora o tiozinho testemunha o que ele se tornou, um viadinho adolescente que é atormentado na volta para casa. Me deixem em paz! Cuidem da vida de vocês e me deixem quieto no meu canto! Ele tem vontade de gritar. Lucas entra cabisbaixo na banca de jornais, só para pegar uma Coca da geladeira.

     – Tudo bem com você? – o homem pergunta.

     – Oi? – Lucas tira o fone dos ouvidos e finge que não escutou, nem o tiozinho nem os xingamentos.

     O tiozinho aponta com a cabeça em direção a um grupo de moleques que passa do outro lado da rua.

     – A molecada aí, tá te incomodando?

     Ele paga a Coca e o tiozinho revira o caixa buscando o troco. Os olhos de Lucas migram para as revistas logo ao lado. Revistas pornôs. Mulheres. Homens. Há uma revista gay com um cara bombadão na capa. Lucas torce o nariz, não sente a menor atração. Na verdade, sente até certo nojo. Se é disso que gay gosta, então eu não sou, ele pensa. Por sinal, quem compraria uma revista dessas nesta cidade? Aliás, alguém ainda compra revista pornô? Para isso também existe a internet...

     O tiozinho da banca estende o troco e Lucas tira rapidamente o olhar das revistas.

     Ele tem mesmo de agradecer por ao menos existir felicidade on-line. Pensa como deveria ser nos tempos desplugados, desconectados, desconexos. Imagina, sem internet, ele estaria completamente ilhado naquela cidade...

     Eu estou ilhado nesta cidade, ele pensa, mas ao menos sua ilha tem internet.

Lucas e Nicolas  Onde histórias criam vida. Descubra agora