LUCAS E DÊNIS SOBRARAM.

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     Lucas olha para o menino pálido, de óculos, ao seu lado. Os dois últimos a serem escolhidos para os times de futebol na aula de educação física. Por que eles têm de passar por isso toda vez? É só simbólico mesmo, eles não vão jogar, vão ficar no banco de reservas. Dênis ainda tem uma ótima desculpa, tem problemas de coração. Não pode fazer muito esforço. Ainda assim o professor acha que ele tem que pertencer a um time, só por pertencer. Como ele não pode jogar, também deixam Lucas de lado. E sempre fica um peso morto para cada time.

     Há outros moleques que jogam pior do que ele... Tá, talvez não. Tem o gordão do Ulisses, que não joga nada, mas que acaba sempre sendo colocado no gol e tapa a entrada de qualquer bola. Vinícius também acaba sendo meio perna de pau, por ser cegueta, mas é fominha e às vezes consegue marcar um gol. Lucas vai pro banco de reserva e começa a jogar Flappy Bird.

     Há muito percebeu que não fazia sentido fingir interesse na partida, torcer, gritar, incentivar os colegas.

     Os olhos estão na tela, mas sua cabeça está mesmo no sonho da noite anterior. Entre cada voo do passarinho, Lucas deixa o olhar escapar para a quadra. Nicolas está lá, jogando no seu time. Foi um dos primeiros a ser escolhido, claro. Tomou o lugar de Ulisses no gol. Bloqueia os chutes como um profissional. Passa a bola para os colegas com elegância. Grita ordens e xinga as barbeiragens. Caraca, mal entrou no colégio e já está xingando os colegas numa boa.

     Lucas volta os olhos ao passarinho da tela de seu celular. Mas de tempos em tempos não pode parar de deixar os olhos migrarem de volta para Nicolas. Parado lá no gol, gritando, realmente entretido no jogo. Pelo menos agora calçou um tênis, não está mais de chinelo. Assistindo a uma jogada, Nicolas coloca as mãos na cabeça e Lucas pode ver os pelinhos loiros debaixo de seu braço. Eles cruzam olhares e Lucas volta a olhar para a tela, para o passarinho. Não é fácil se concentrar assim.

     O jogo da quadra vai esquentando-o, deve-se dizer, o do celular permanece morno, o sol do meio-dia está chegando e finalmente chega o momento pelo qual Lucas temia... ou ansiava. Suados, os meninos começam a tirar as camisetas. Ah, era só o que faltava. Ele mantém os olhos grudados na telinha, até que não resiste e levanta a cabeça. Nicolas está lá, no gol, de bermuda e peito nu.

     Como um ser humano consegue ficar assim? Como um menino da idade dele pode ter um corpo desses, Lucas pensa. É pele, músculos, tudo encaixado no lugar certinho. Uma leve penugem loira desce do umbigo e entra pela bermuda. Meu Deus, o moleque tem tanquinho – Lucas não se surpreende, mas se impressiona. É um maremoto de sensações, que ele mal consegue descrever. Admiração, cobiça, inveja, desejo, vergonha, tristeza, melancolia. Até nostalgia. Como se ele já tivesse desperdiçado toda sua juventude. Como se já se encontrasse na terceira idade e lamentasse tudo o que não foi na juventude. Tudo o que não pôde ter na juventude. Nunca serei ELE na juventude, Lucas pensa. Eu desperdicei aquilo do qual todos os velhos têm inveja. É DISSO que eles têm inveja. E eu nunca serei como ele. Nunca terei alguém como ele. Estou condenado a mim mesmo.

     Lucas sacode a cabeça e deixa o fatalismo ir embora. Tenta aproveitar um pouco só a bela imagem que tem diante de si. Nicolas é uma beleza. E todos os meninos correndo em volta dele parecem mais desconjuntados, inacabados. Alguns ainda têm corpo de criança. Outros têm braços longos demais para o tronco. O tronco muito fino e os braços curtos. Nicolas é um garoto finalizado à perfeição.

     Quando percebe, Nicolas está olhando para ele também. Lucas está semiboquiaberto, com o olhar vidrado, perdido em meio a tantas fantasias, desejos e delírios que seu novo colega desperta. Nicolas franze a sobrancelha, provavelmente irritado com aquele olhar. Então uma bola é chutada e ele instantaneamente reverte para o modo de defesa, interceptando o lance e recebendo gritos de comemoração dos meninos. Todos saltam sobre ele, comemorando. Eles o abraçam, suados, sem camisa. Boa desculpa, pensa Lucas. Depois eu é que sou gay! Lucas grita também, disfarçando o foco de seu entusiasmo para o jogo.

     Os meninos se afastam e Nicolas fica lá no gol, ofegante, sorridente, meio sem graça. Que lindo. Lucas então recua mais no banco e tenta retornar ao Flappy Bird. Seu passarinho dá de cara no cano.

Lucas e Nicolas  Onde histórias criam vida. Descubra agora