Lucas constata quando morde o lanche no recreio. No salpicão a mãe sempre acerta. Deve ser por isso que ele ainda não se arriscou a fazer ele mesmo seu próprio lanche. Ou talvez seja porque ele gosta da surpresa, o oráculo do sanduíche: se o recheio é atum, seu dia vai ser uma merda; se o recheio é de frango, talvez ainda haja esperança. Ou é o contrário? Tipo, se vem atum, seu dia vai ser melhor, então é um motivo para você se forçar a comer. No sonho, o atum dava sorte. Quer dizer, mais ou menos. Dava sorte porque rolava o beijo... mas não rolou o beijo. E dava azar porque o beijo rolaria com bafo de atum. Se o sonho tivesse continuado, se o beijo tivesse rolado, de repente o menino teria vacilado. “Isso é atum?”, ele diria. E daria uma desculpa para ir embora e nunca mais voltar. Diria aos colegas que a ideia do beijo foi do viadinho do Lucas. O sonho se tornaria pesadelo. Talvez tenha sido melhor mesmo ele ter acordado.
E com o olhar perdido, pensando no sonho, Lucas nota que o olhar encontra Nicolas novamente, do outro lado da quadra, conversando e rindo integrado com os colegas, como no sonho. E, como no sonho, Nicolas repara que Lucas está com os olhos nele. Vinícius e os outros também. Droga. Agora riem maldosamente e cochicham algo com Nicolas. O menino não responde, só caminha firme em direção a Lucas, num cantinho da quadra, atrás de uma guarita, escondido nas sombras, comendo um sanduíche.
– Tava me encarando? – Nicolas diz agachando-se diante de Lucas.
– N-não... – Lucas gagueja. – Tava... tava só pensando, com o olhar perdido. – Je-sus, isso sim é o que se pode chamar de déjà-vu, pensa Lucas.
– Como é seu nome? – Nicolas pergunta. Continua parecendo com o sonho, talvez com algum detalhe diferente.
– Lu-Lucas...
– Lulucas? Que porra de nome é esse?
– Não, é só Lucas. Lucas.
– Lucas Lucas?
– Lucas.
– Lucas Lucas Lucas?
– Só Lucas! Uma vez só! – Lucas quase grita. Opa, foi mal. Não quer desafiar o colega, só está nervoso demais.
– Se é uma vez só, devia ser Luca. Se é “Lucas” quer dizer que é mais de um, plural, não é?
Lucas torce a boca. Poderia responder que “Nicolas também é mais de um, mas é melhor ficar quieto. Não sabe se Nicolas está lá para tirar sarro da cara dele, socar a cara dele ou lhe dar um beijo. Obedecendo o roteiro do sonho, Lucas espia os colegas atrás de Nicolas, no final da quadra. Eles continuam rindo e olhando para os dois em expectativa.
– Você é estranho sabia? – Nicolas diz. Disse apenas “estranho”, no sonho era algo como “gatinho, mas estranho.” Lucas até cogita perguntar: “estranho, mas gatinho?” Nunca que ele teria coragem de falar isso em plena consciência. Só consegue dizer:
– Sabia.
Nicolas comprime os olhos, pensando no que dizer. Lucas deve ter dado a resposta certa. Nicolas então estende a mão.
– Bem, meu nome é Nicolas, prazer. Sou novo aqui na escola.
Lucas pega a mão do colega. Ele aperta forte. Au!
Nicolas complementa:
– Se tiver algo pra dizer pra mim, diz de uma vez, tá? Não fica me encarando, é feio.
Lucas engole, faz que sim, gagueja:
– F-f-foi mal.
Nicolas se levanta, lança mais um olhar para Lucas, lá de cima, se vira e sai cruzando a quadra.
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Lucas e Nicolas
RomanceAparentemente, eles têm pouco em comum: Lucas não tem talento para o esporte, mas é um gênio na escola. Sua vida social é nula, mas nas redes sociais se vira bem; Nicolas é o fortão da turma, bonito, popular. Suas notas são vergonhosas, mas nos espo...